sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Cerejeiras em flor


Cerejeiras em flor

De longe, pequenas e delicadas
As flores brancas e rosadas
Pousaram sobre esguios braços
Inúmeras, não deixaram espaço
E sequer tempo para um abraço
No encalce dos raios que iluminam
E as desabrocham para o mundo
Se aninham, coladas umas às outras
Exalando doce aroma, tão fecundo
Recebem com pétalas abertas
Toda sorte de seres vivos
Tantos beijos,
Os beijos que beijei
À sombra das cerejeiras em flor
Mostrando o lado vivo do amor
Olha-as, mas deixa-as ali
No descanso que as horas impingem
E antes que te apercebas
Logo estarão maduras as cerejas


Anto 27/07/08






quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS!


Meus desejos sinceros :

Que os dissabores deste ano que passou inspirem a busca de soluções para os próximos dilemas.
Que as injustiças eventualmente impostas e aparentemente irreparáveis ensinem a dar tempo ao tempo, pois às vezes a melhor ação é a inação.
Que as pedras sejam roliças e saiam do caminho ao mais leve empurrão dos pés, com ou sem a ajuda de outros pés amigos.
Que as decepções provocadas não permeiem a desconfiança e a descrença no ser humano.
Que as alegrias se perpetuem, ou ainda se transformem para que se possa conhecer algo além do óbvio.
Que um sorriso influencie o bom humor e que um simples afago produza um grande abraço.
Que a saúde permaneça e seja contagiosa, tanto a física quanto a mental.
Que a fé cresça e se multiplique em flores e frutos.
Que 2009 seja um ano de aprendizados e conquistas !

Feliz Natal !!!





segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Meio-termo

Meio-termo

Hoje haveria eu de morrer feliz
Pois senti o sol aqui mais uma vez
A aquecer-me o corpo, corar-me a tez
Colorindo o dia com intensa matiz

Soubesses o que me está por um triz
Vir a baila nas horas de insensatez
Conter nos minutos o sim e o talvez
Na exata medida de uma bissetriz

Pergunto: Há alguém no extremo mais ermo?
Minha voz cala, procuro quieta o rebatido eco
Em penumbrentas sombras de um meio-termo

No apêndice que se move, em dias de mar agitado
Escurecendo o céu, na proporção de um caneco
Tão quente como o sol, a beber do café adocicado


Anto 04/06/08

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O claro e o escuro


O claro e o escuro

A luz
Clara, a tímida luz da manhã
O sol entrando pela janela
Ofuscando os retratos
Os raios flagrados no topo da fotografia
Abençoando toda a feliz alegria
É como me sinto
Abençoada,
Luzidia…

O início de noite
No chão de paralelepípedos
E a pouca claridade
A esta altura já bem fria
Dava lugar ao estrelado céu
Onde a lua ao alto se fazia
Nem cheia,
Nem minguada,
E aparentemente nem vazia…
Apenas uma pálida e nua lua
Que de mim se comprazia
Em trajetória pela rua
Tão deserta
Tão desperta…

No jogo do claro e do escuro
Tenho a sorte de ambos
Pego carona nos sonhos
De doces manhãs adormecidas
E saio rodando pela cidade
Em longas noites recém-nascidas
Levo o peito aquecido,
Na verdade agradecido,
Preenchido…

Sol e lua,
Cada qual com o próprio brilho ao léu
Um no dia
Outro na noite
Sempre em movimento
Distantes, é verdade
Embora juntos,
E firmados no mesmo céu


Anto 08-12-08


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Saudade


Saudade

É bela,
Vem ligeira
Me enche de vontade
De ver-te
Abraçar-te
De passar-te toda
Minha singela felicidade
É boa
É pura
Da puríssima verdade
É saudade
Que não tem idade
Ao bravio
E ao ser mais frio
O coração invade
Não morre
Sobrevive hibérnia
Latente
Camuflada em lembrança
No peito de quase criança
À espera de um sopro
Uma pequena chama
A chamá-la linda
E feliz saudade…



Anto 02/11/08





segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Morte da poesia

Morte da poesia

Quem dizia que havia
Num dado instante da vida
Perdido completamente a poesia?
O que ocorreu para que ela lhe fosse arrancada do coração
E arremessada no baú dos tesouros escondidos
Assim como se lança abruptamente
Uma amarga lembrança
Ou um alguém a quem já não nutrimos sequer simpatia?
A veia poética,
Quem a assassinou de uma hora para outra?
Quem disparou o gatilho
Desferindo certeiro tiro
No peito carregado de sentimentos ambiguos?
Quem matou a impetuosidade?
Quem desfigurou os versos?
Qual o crime cometido e o castigo imposto?
Se é que há castigo
Para o delito praticado em razão de si próprio,
Em legítima defesa do corpo que aprisiona a alma…
Não por acaso a fúria é feminina
A ira, idem
E a raiva também.
Assim como a bela inspiração
Que vem avassaladora
Tal como a inundação dos campos nas cheias
Ou a lava expelida pelo vulcão eruptivo
Ou a força desmedida de um tornado nas tardes quentes de verão.
Desastres da natureza.
Natureza selvagem, indomável
É assim que ela é.
Como o carma poético
O sofrer que gera palavras lindas
Mesmo que isso signifique o espicaçar da essência
E o dilacerar da existência
De quem transborda entusiasmo ao compor.
E quem entende essas palavras quase sem nenhum sentido,
Completamente incoerentes?
Quem as alcança são os puros, os excêntricos, os loucos,
Os bravios, os sonhadores, os afortunados de espírito leve,
Os singelos, os humildes, os incapazes de maledicências,
Os insubstituíveis, os únicos…
E a cadência, ela importa?
Não.
Não existe imposição para quem transborda em virtudes
E a virtude, in casu, não significa a moral
Mas o valor humano que existe nas entranhas do espírito
O preciosismo absoluto,
A determinação da luta.
E lutar para quê, se podemos nos entregar
À placidez doutrinal de quem nos diz o que se passa em nossos inquietos corações?
Você me entende?
Não deixe que sua poesia morra novamente.
Não a mate porque aceita a morte como um bálsamo que vem lhe trazer conforto.
Arranque seu coração doente, se preciso,
Porque você ainda tem um bom cérebro, dois perfeitos braços e pernas para o trabalho
Coloque no lugar do vazio em seu peito aquela rosa guarnecida de espinhos
Que você guarda dentro do baú, aquele dos tesouros escondidos.
A gentil rosa será doravante o motor de suas conquistas
Pulsando agilmente para lembrar-lhe que a vida continua
Apesar da morte da poesia
E isso não tem a menor importância
Já que ela é como a Fenix ressurgindo das cinzas
Lembrando que cada dia é diferente e fantástico
E você, cada dia melhor.


Fev.2006

O sofisma

O Sofisma



Doces palavras captam meus ouvidos
Viciados já com elogios e deleites
Que deixam corado o semblante ardido
E bela a expressão, coberta de enfeites

Sofri com isso muitos tolos prejuízos
Aguardando verdades incoerentes
Aparentei insanidade, falta de juízo
Porquanto errava, sofismavelmente

Empurrei a má-sorte para outro lugar
A busca iniciando ao total reverter
Nos versos expliquei a rima matar
Que é o contraposto do verbo morrer

Estamos todos muito necessitados
Saber exatamente de quê somos feitos
Carne e osso, somos assim revelados
Só não exibimos tão bem os defeitos

Por isso o sofisma, opino modestamente
Está bem distante do poder do coração
Ludibriando com o raciocínio demente
Empreendemos assim certa tapeação

Não somos o que na realidade aparentamos
Querendo sempre a todos impressionar
Volta e meia uns aos outros sofismamos
Ou engendramos como fazer a sofismar


Anto 06/09/06

Lágrima

Lágrima


Tão filha única dos olhos
A solitária lágrima vertida
Brota dos confins da anima
Cai ao chão onde está perdida

Salobra a lágrima cristalina
É pura e inspira outros olhares
Há quem observe com paixão
Há quem olhe por curiosidade

Na tristeza ou na felicidade da vida
Acanhada ou totalmente esfuziante
Jaz a lágrima em virtudes esquecida
Plangendo emoções a todo instante.


Anto 04/05/06

Adormecendo

Adormecendo

Tenho o sol por testemunha
Claro e intenso como cada manhã
Nada ouço, ainda quieta na penumbra
De minha morada, meu abrigo
Meio adormecida no divã
Olhos fechados, lá fora um pio
Me concentro, preciso voltar a dormir
Retomar o sonho, antes que fique esquecido
Ah, é bom o despertar
Quando se está a sonhar
O belo, o prazeroso
Na quietude do quarto escuro e adormecido


Anto 05/10/06

sábado, 29 de novembro de 2008

Pressa


Pressa

Tens agora nas mãos um pouco de mim
E de mim carregas o perfume ao ventre
Filigranas que se desmancham fácil assim
Ao roçar das coxas, no caos do entrementes

Um olhar que se traduz em assertivo
Se combina com a ilação de pensamentos
Em nada traz nobreza de sentimentos
Ejetados da profunda essência do sentido

Não há o que se fazer nessas horas
Que apaziguar todos os ânimos
Inflamados nas possíveis trajetórias

Da paixão crua do corpo já estendido
Enquanto outro sem pressa o explora
Na urgência do beijar mais desmedido


Anto 29/05/08

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A culpa deve ser da maçã


A culpa deve ser da maçã

Ontem fui conhecer o novo local de trabalho de minha amiga-irmã.
E que local de trabalho, meu Deus!
Dada a sua competência, ela agora é executiva de uma empresa suiça em expansão. Foi pinçada no momento certo pelo seu também suiço boss. Aliás, simpático ele… assim como os demais colegas de trabalho que tive oportunidade de conhecer.
Agora entendi o porque ela anda tão repetitiva em nossas conversas.
Atualmente há dois grandes e recorrentes assuntos em sua pauta. Um deles, o mais agradável, sem dúvida, é o novo trabalho e os meandros desse mundo corporativo internacional.
Todos os dias há uma novidade e, permeando essa novidade invariavelmente vão recordados todos os links anteriores, um a um. Ou seja, cada dia que passa, a história se encomprida um pouco.
O outro assunto… bem… deixa pra lá que não vale nem a escrita e nem a leitura.
Na sequência fomos ao teatro.
Uma peça, ou melhor, um monólogo muito bem articulado pela atriz e cujo roteiro trata das trapalhadas que as três protagonistas (na verdade a mesma atriz que encena vários papéis), em estressantes e hilariantes interações com seus homens, também interpretados por ela. Aliás, aproveito para fazer a divulgação dessa comédia “A culpa é da maçã” (http://www.aculpaedamaca.com.br/), em cartaz no circuito alternativo.
Rimos muito e certamente nos identificamos com algumas passagens típicas do raciocínio, ou do desraciocínio - se é que dá para entender essa expressão – de mulheres solteiras, casadas e descasadas. Ótima! Recomendo para ambos os sexos.
Acabada a peça, seguimos famintas para a boa e velha Vila Madalena. Nem tão boa, nem tão velha para mim, que a evito a todo o custo por causa do trânsito, dificuldade em estacionar, locais lotados, etc… Mas acabamos caindo num restaurantezinho bacana e nem tão cheio, onde pudemos recomeçar nossa conversa habitual.
Foi aí que percebi o quanto recorrente ficamos quando um assunto nos empolga ou nos abate.
Esses dias têm sido o momento dela e embora quase fique tentada a dizer que já me contou a tal passagem umas 18 vezes durante a semana, continuo ouvindo calmamente, porque sei que ela precisa desabafar. Amiga é para essas coisas.
A título de comparação, perguntei-lhe se sou muito recorrente nos meus discursos e, reconhecendo a própria personalidade repetitória, ela sentencia:

- Você é muito mais do que eu, pode ter certeza disso!

Sou?! E durante o blá-blá-blá da interrompida narrativa, por um momento tento me recordar qual teria sido o último assunto problemático ou empolgante que lhe expus com veemência.
Ah, sim, lembrei!
E nas brechas que ela me permite, ou nas que consigo com muito custo abrir um parêntese, posso dar uma certa vazão à minha incontrolável necessidade de ser igualmente repetitiva. Ela tem razão.Afinal a culpa deve ser mesmo da maçã!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Spleen

Spleen


Ah, quem dera pudesse eu provar
Dos Paraísos Artificiais de Baudelaire
E sentir-me entorpecer por completo…

Quisera eu coragem para abraçar ao peito
Todas as Flores do Mal por ele cultivadas
Formosas, estão elas jogadas ao leito
Sentindo-se tão poeticamente amadas…

Não quero dar conta do que é real
Pois já não conjugo o verbo realizar
Transfigurei-me em flor do mal

E tu, que tomastes num dia meu corpo são,
Ora queres minh’alma insana,
Enquanto meu incerto destino
Repousa quieto em tuas mãos…

De que espécie é a sede que padeces?

Te peço, fica comigo, qual desígnio!
Pois se és o fogo que me alimenta,
És também o desforro que me há de fustigar
Ah, tamanha ambigüidade…

Golpeias o escudo sagrado que me protege
E empunhas a lança que me será arremessada em breve
Tencionando a chaga mortal já predita
Tal e qual o são as letais flores malditas
Que alimentam o Spleen que me há de corromper

Ó doce irmão espúrio que está a rondar-me noite e dia
Sacrificas algo mais que a podre vida
Em nome de qual virtude?

És o escravo imoral das vicissitudes,
Quem me ama e mo diz em sonhos
Mas não consegue livrar-se de fardo enfadonho
O nu, o incompleto, o inverídico postiço…

Tens razão em procurar diálogos com esta Rosa-Louca
Ainda que maligna, em flor encarnada
Só a ela foi dado o poder de a ti conhecer
Decifrando o enigma recorrente,
O antídoto ao veneno da serpente
Que está a perverter-te a pureza com incertezas

Cala a boca que leva o mal
Por que ele penetrou-te fundo nas entranhas
E está a corroer-te o espírito de maneira tacanha

Vive pois o dia de hoje
Assim como vivo eu um após o outro
Esperando angustiada o derradeiro
Que há de vir logo ao meu encontro certeiro

Ah, basta!
Sobreveio o tenebroso momento
De estar face a face consigo mesmo, eu sei

A loucura não veio tirar-me os sentidos
E sim restituir-me a visão ao mundo
Assim posso dizer que não lamento
Ainda que infeliz por fora
A felicidade me apraz por dentro,
Por um momento…

Sei que padeço a verdade
Da mesma forma que estás tu a vive-la
E onde afinal jazem as Flores do Mal?

Ó dias de insensatez total!

Caí doente ante as maledicências
Caímos por completo e pó nos tornamos
Antes de renascermos sob as asas da Fenix

E no que pensar diante do Spleen
O jugo que me há de matar?

O fantasma da solidão ronda e incomoda
Tira-o daqui, se podes
Vai, obedeça tua mãe ao menos uma vez

Talvez…


Anto 06-06-06










sábado, 15 de novembro de 2008

O gato


O gato

Pêlo em seda
Tocar-te acalma,
Deixa livre a alma
Dos pensamentos generosos
Deita em cena
Faz breve miau
Procura teu mingau
Morninho na tigela
Tantas vezes saltou a janela
Que as sete vidas já se multiplicaram umas sete vezes
E já tem com ele o treze
Que todo o gatinho preto que se preze
Leva aferrado em sua sombra
Modesta
Manhosa
Criatura dengosa
Pelagem gostosa
Mia, bichano,
Mia…
Se espicha pelo tapete
Rola,
Espreguiça
Se enrosca pelas pernas
E dá mordidinhas de amor
Patadas,
Ronrona
Arranha o tecido da poltrona
Foge,
Se esconde
Do ralhar de seu amo impaciente
Deixando enternecido a ele,
De repente,
Quando está a fazer mais um dengo
E à beira da porta se põe molengo
Querendo um afago
Ou até mesmo uma sobra de peixe


Anto 1°/02/08

Texto sobre relacionamentos - Não trate como prioridade quem te trata como opção

Aldo Novak*

A sua felicidade não pode depender do que não depende de você.
Não trate como prioridade quem te trata como opção.*
A sua vida merece uma chance de ser especial e memorável. E isso inclui em que você se dedique para fazer a vida de alguém especial, feliz e completa.
Com sorte, também significa ter alguém que faça isso por você. Não por dever, apenas, mas por ser um caminho apaixonante da realização.
Mas, infelizmente, no que se refere ao relacionamento entre duas pessoas, não podemos controlar todas as variáveis, as limitantes e os resultados. Até porque os resultados envolvem diferentes percepções, desejos e níveis de comprometimento.
O amor, embora seja um verbo, antes de uma emoção, é uma daquelas áreas nas quais todos nós gostaríamos de controlar os dois lados da equação, mas só podemos controlar o nosso lado. E torcer.
Um romance, seja ele namoro, noivado, casamento ou bodas de diamante, exige que os dois queiram dar um passo em direção ao futuro misterioso todos os dias - juntos. Mesmo que seja para sofrerem juntos, desafiando os problemas.
Se você é do tipo que quer casar, e continuar se comportando como solteiro, então é melhor não casar. Fique como está.
Sei que o que está na moda é a fantasia de que "ser livre" é o melhor.Ser independente. Mas, apesar do estardalhaço que algumas revistas semanais fazem, dizendo que muitas pessoas querem ficar sós, não é a realidade que encontro com meus clientes. Para mim eles, e elas, dizem a verdade. E a verdade é diferente daquilo que dizem para o show da mídia, ou para uma roda de amigos.
Ninguém quer ficar só. As pessoas apenas vestem uma confortável imagem de que a"liberdade" é mais vantajosa do que o compromisso, assim como dizem veementemente que jamais entrarão em um supermercado que os tratou mal - só para irem direto lá, quando tiverem que comprar algo.
Quando o silêncio das paredes internas do coração começa a ser escutado, o "caldo entorna", e você se pega pensando em passar os próximos anos vivendo com aquela pessoa.
Na medida do possível, apoio meus clientes em seus sonhos e desejos. Mas, nem sempre. Há momentos nos quais você deve olhar bem para aquela pessoa que está tratando você apenas como uma opção, uma alternativa temporária, e deixar de ter a vida dela como sua prioridade.
Algumas vezes, ser a pessoa ideal não é o bastante. Especialmente, quando o outro lado da moeda tem uma lista de prioridades enorme, e você aparece em um ingrato 256° lugar.
Naturalmente, há momentos nos quais um amor não pode lhe dar atenção. E ajudo meus clientes a entenderem isso. Há altos e baixos em qualquer vida, por isso não devemos assumir o pior, apenas por um problema temporário.
Mas, há também situações nas quais você precisa entender que talvez haja muito mais dentro de você do que a outra pessoa nota ou dá valor.
Quase dois anos atrás, uma cliente tratou exclusivamente deste problema comigo. Ao final do nosso processo de trabalho, ficou claro que ela não era prioridade nenhuma para o noivo. Era apenas uma opção e um "problema" na agenda. Depois de tentar tudo e mais um pouco, ela rompeu o noivado. Ele teve todas as chances de abrir os olhos.*Ela deixou de tratar como prioridade, aquele que a tratava como opção.*
Na última segunda feira, ela me telefonou e convidou para seu aniversário (é comum meus ex-clientes tornarem-se amigos). Aniversário e noivado. Com outra pessoa, claro. O engraçado da história? É que o "ex" diz ter descoberto, tarde demais, que "ela era a mulher da vida dele". Flores, presentes e telefonemas não adiantaram --minha cliente me autorizou a contar a história, sem revelar seu nome. O que existe no coração dela, agora, são as lembranças de ter sido apenas mais um item, em uma agenda lotada. Agora o coração dela já está em outra vida. Ela tem outra prioridade. E o noivo atual a vê como prioridade também. O verbo amar, entre eles, se transformou no sentimento.
Agora, o ex-noivo é carta fora do baralho. Lembre-se: *Não trate como prioridade quem te trata como opção. * Dê todas as chances que puder. Mas, quando não houver mais o que fazer, não faça. Pare de tentar. Você saberá quando a hora chegou. Você saberá quando já tentou tudo. E, quando chegar este momento, olhe ao redor. Se alguém não trata você como prioridade, há quem trate. Ai pertinho de você. É só olhar com o coração. Você merece ser prioridade de alguém. Você merece ser o rei, ou a rainha, e não o vassalo, ou vassala. O amor é um jogo de "iguais de coração".

Aldo Novak - jornalista, conferencista e coach

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Incansável

Incansável

Na inexatidão dessas palavras
Encontro-te
Quase um octópode
Com teus oito braços
Cada qual com sua função
Obedecendo ao cérebro
Em irrefreável comunicação
Um acanhamento mobiliza
A boca entreaberta na pergunta
Lá fica, se paralisa
E num instante
A verborragia toma a direção contrária

Anto 13/11/08

Você sabe o que é um passeio socrático?

Você sabe o que é um passeio socrático?
Frei Betto*

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: - Não foi à aula? Ela respondeu: - Não, tenho aula à tarde. Comemorei: - Que bom! Então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde. - Não, retrucou ela, tenho tanta coisa de manhã... - Que tanta coisa?, perguntei. - Aulas de inglês, de balé, de pintura, natação, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram agora que, mais importante que o QI, é a IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: - Como estava o defunto? - Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!

Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais.


Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais... Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem se deixa iludir desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios.

Quem resiste, se sente louco porque não faz parte da neurose coletiva. Os psicanalistas - que também desejam 'ter' e não se satisfazem com o que são, o que amam, o que fazem - tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. O grande desafio é gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental, três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus, como os que outrora foram convencidos a comprar a própria absolvição. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald's.. .

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: - Estou apenas fazendo um passeio socrático. Diante de seus olhares espantados, explico: - Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: 'Estou apenas observando quanta coisa existe e das quais não preciso para ser feliz.'


*Frei Betto - Frei dominicano. Escritor. Autor, em parceria com Luís Fernando Veríssimo e outros, de 'O desafio ético' (Editora Garamond), entre outros livros.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Parte de mim

Parte de mim

Sou teu lado
Teu vazio
As horas severas
Em que passas arredio
Distante
Já pequeno, ao longe
Em sandálias de retirante
Vizinho da implacável sede
Que de ti não se compadece

Sou teu mapa
O riso rouco
E apertado depois de um tapa
Tua mão espalmada
Impressa em vergões
Aqui jaz estampada
Arroxeada
Ardida
Num castigo que nem sei se mereci

Mereci!
Como mereço o que me trazem os dias
Um após o outro
Nos falsos limites
Da idiossincrasia
Em que te entrego
De mão beijada a outra face
Outro tapa!

Não lamento
Não choro
Nem me escondo
Não tenho medo
Se de mim desabrocha um monstro
Que ama
E odeia
Que me aprisiona
E quer me consumir

Ah! Triste parte de mim
Que fim!
Se podes perscrutar minha vida
Saberás que do mal que faço
Já nasci arrependida
Fui-me mais de uma vez
E não tolero outro retorno
Não quero

Me deixa!

Anto

Iluso amor

Iluso amor

Calor! Que sorte tens tu que me abrasa
Num ninho, despido das nobres vestimentas
És forte na paixão em que me acontentas
Vigor no abraço destemido que me abraça

No cerne da mais pungente aflição
Enquanto ao vento sacodem-se as toalhas
É o amor já desfeito em mil migalhas
Desmanchando-se nas manchas de um borrão

Uma flor que carrega o perfume
Doce no olhar que não me cabe
Resta um pranto, em débil queixume

Enviado por sabe lá quem e quando
Não importa, já não existe dolo ou culpa
Há quem siga eternamente amando


Anto 29/05/08

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Coração



Coração

Pulsa
Bombeia
Se abala
Sofre
Bate
De felicidade
De medo
De ansiedade
De compaixão
De ternura
De paixão
De loucura
De amor
De fissura
De dor
Bate
Sofre
Se abala
Bombeia


E ainda pulsa…




Anto 08

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O presente perfeito

O presente perfeito

Até que sou uma pessoa bastante controlada, mas algumas vezes, movida por impulsos que se manifestam de uma forma estranha… bom, o fato é que enfiar o pé na jaca é comigo!

Talvez seja por isso minha pecha de pára-raio de maluco. Conselho para quem anda ao meu lado: benza-se. Mirela sabe bem disso, mas à parte o fato de ser soteropolitana e ter nascido no berço embalado pela brisa do barravento e sob a proteção dos orixás, ela já está mais que acostumada a presenciar cenas dantescas em minha companhia. Se tem um maluco/a na área, podes crer, ele/a virá a mim. Deve ser alguma praga, castigo, carma, vai saber…

Dizem que a gente se transforma no que foi acumulando ao longo da vida. Também acredito nisso, piamente.

Então voltemos ao início dos anos 80, nos “melhores anos do resto de nossas vidas”. Me permito dizer essa conhecida frase em nome de todos os amigos daquela época. Alguns poucos irão discordar (têm lá seus motivos, compreendo, assim como vocês compreenderão a seguir), mas os demais sei que gostarão de lembrar essas passagens.

Por exemplo, na fila do gargarejo com o Fabio dando uma de cover do Evandro Mesquita com “Você não soube me amar” tendo Aninha, Isabel, Bete e a mim como backing vocals (amor, pede uma porção de batatas-fritas?), enquanto fumava (sim, ele fumava na classe, e nós abanávamos) em plena aula do Checchetto, o qual por sua vez fumava também e não ouvia nem via nada. Ah, como fomos fumantes passivos, que horror!

Ou então aquela invenção de esquentar a bunda com isqueiros. Isso foi tão rotineiro que acabávamos sugestionados e de vez em quando alguém dava um pulo no meio da classe por puro reflexo, sem que ninguém estivesse queimando ninguém. Que irresponsáveis! Já pensou botar fogo de verdade num amigo sem querer?

Na época das juninas era aquele fedor dos peidos de velha. Que nojo!

Nas aulas vespertinas, Ferruccio demonstrando as reações químicas no “tubão” de ensaio. Adivinha quem sempre era escalada como assistente? Bom, numa dessas aulas ri tanto que fiz xixi nas calças. E Cristina ainda lembrou dele nos perguntando cinicamente sobre a prova (em todas as provas) : - Então meninas, foram beeeem? E a nota das duas era sempre igual uma da outra…. E igual também à nota da Denise, que nos passava a prova inteira. Obrigada Denise!

As corridas atrás do irmão Francisco… Aquele “Tsouro” do irmão Francisco! No primeiro dia de aula de algum dos anos soubemos que ele foi transferido para outro mosteiro, bem longe das perseguições das meninas.

Os papéis higiênicos molhados voando para o teto dos banheiros. Impressionante, mas aquilo era engraçado! Acho que aprendemos mais aí sobre física, cálculo de distância, pé-direito (e era bem alto), massa, força e gravidade que em qualquer aula teórica.

Concurso de gritos no corredor do vestiário feminino, em frente à sala do dom Bernardo. O coitado às vezes abria a porta com a cara de assustado e passava uns sermões. – Meninas, meninas, contenham-se!

Isso me lembra que uma vez invadimos o vestiário masculino e detonamos. Viramos do avesso e amarramos as roupas, escondemos carteiras, cuecas, sapatos, trocamos tudo de lugar. Os meninos demoraram horas para voltar para a sala de aula, porque não achavam suas coisas.

E chegou o dia do presente perfeito.

Uma menina que por razões óbvias chamarei de Angelica era nova no colégio. Era séria, ou melhor, mais amadurecida do que nós e não aceitava certas brincadeiras. Não demorou muito para que se transformasse em vítima do que hoje conhecemos como bullying, uma prática terrível entre crianças e adolescentes e que pode abalar tão fortemente uma pessoa ao ponto de provocar grandes tragédias. Eu mesma já fui muito vitimada e garanto que não é legal. Portanto, orientem seus filhos a não serem agentes, coniventes ou pacientes resignados com essa condição.

Então considerem o breve relato a seguir como estudo de caso.

Pois bem, Angelica aquele dia voltou do intervalo e encontrou sobre sua carteira uma caixinha embrulhada para presente. Era dia dos namorados ou coisa parecida e junto havia um bilhete todo meloso. Ela sentava-se exatamente na frente da mesa dos professores e nós, Cristina e eu, atrás dela.

Observávamos enquanto sacudia a caixinha discretamente, mas com uma carinha de satisfação e curiosidade. Os demais alunos chegavam e tomavam seus lugares. O professor Frederico, de física, também já se instalava e Angelica ainda titubeava se devia ou não abrir o presente.

Resolveu abrir. Mas a caixinha propositalmente não era uma caixa com tampa e sim uma daquelas caixas de comprimidos, daquelas longas e que se abre pelas extremidades. Um plano minuciosamente arquitetado. Então, Angelica viu-se obrigada a despejar o conteúdo da caixa na mão e esse conteúdo nada mais era do que uma barata. Uma barata gigante, caçada pelo nosso amigo Leonardo, mais conhecido como Japonês, no fértil bueiro de sua rua.

É claro que tratou-se de uma encomenda nossa, minha e de Cristina (culpa-culpa-culpa! Perdão Deus, perdão São Bento, perdão Angelica, mil sinceras desculpas!).

A classe aturdiu-se com os gritos da menina e a barata, apesar de morta voou pelos ares indo parar em cima do professor Frederico, que por sua vez também teve um piti, não sei se pela balbúrdia dos alunos que queriam saber o que estava acontecendo ou pelo seu visível horror ao inseto.

Dias depois, nova encomenda de baratas. Dessa vez o Japonês caprichou. Nem eram tão grandes, mas eram muitas, umas cinco ou seis.
Pegamos o estojo de uma outra menina e colamos as baratas em suas canetas e lapis. Claro que nós, Cris e eu ficamos coordenando a operação, executada pelo nosso amigo nipônico que não tinha nojo de enrolar os insetos com muito, muito durex.

Voltando do intervalo, a dona do estojo se depara com aquela porcaria e calmamente fecha o ziper, vira-se para a colega do lado e pede uma caneta emprestada.

Essa foi uma lição que aprendi. Ignorar o que não merece nossa atenção. Ficamos completamente frustrados, não foi engraçado como da primeira vez e não sentimos vontade de repetir a brincadeira.

No dia seguinte, porém, pensamos como seria bom que algum aluno cdf se dispusesse a nos ensinar física…

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Temos tempo

Temos tempo

Voltar-nos, já não representa a tristeza
É uma espécie de reprise
A lembrança do gosto doce
Daquele doce de mocotó comido na infância
E que tanto apaziguava a gula
Quando o vestir-se era mero detalhe
Era bom manter os pés descalços
Tanto no verão como no inverno
Apesar dos protestos de nossas mães
O comer, a coisa mais importante da vida
Só perdendo para o brincar
Quando gastávamos longas horas em correrias pelo quintal
Fazendo comidinhas com aquelas plantas venenosas
E peripécias circenses nos selins das bicicletas

Alguns anos mais tarde,
Um simples anoitecer
Com a ansiedade que o telefone provocava
A confirmação de um cinema,
De uma volta até a sorveteria do bairro
O pegar na mão,
As primeiras carícias
Quantos beijos melequentos no portão
Quantas mãos bobas passeando por recantos recém-descobertos
E quantas lágrimas derramadas ao travesseiro
Aquele mesmo que nunca ousamos nos desfazer
Por mais puído que esteja e seja

Incertezas,
Elas passaram a ser constantes e inclementes
Roubando-nos o sono tão vital hoje em dia
Como era antigamente, mas com uma diferença
Naqueles meigos anos ainda dormiamos um sono solto e profundo
Sem perceber como aquilo era bom e nos fazia crescer

Uma viagem,
Kilometros de distância
Era com efusão que íamos e voltávamos
Hoje choramos as partidas
Como se o amanhã não fosse chegar nunca
Mas com plena consciência de que os anos passam voando
Fugazes e caprichosos como a nossa esperança hoje em dia
Já que se não der, não deu e dane-se
Da maneira mais prática, mas insensível

Onde foi parar aquele romantismo
Os desejos secretos de sonhos proibidos
Quando a proibição era meramente um dogma familiar
Instituído no calor dos discursos paternalistas
E os sonhos eram os de liberdade acima de tudo e de todos
Nesse momento daríamos nosso primeiro vôo solo,
Seríamos simplesmente anjos se nos brotasse um belo par de asas
E de quantos anjos estaríamos falando
Num céu congestionado como as avenidas das grandes cidades

Hoje sentimos muito ao provocar mágoas
Mas sentimos mais ainda quando por qualquer motivo nos magoamos
Certos de que estamos com a razão
Mesmo que ela se torne efêmera diante de tantas outras coisas mais graves
Sobretudo aquelas coisas para as quais não há remédio
A dor, a ausência, a morte

Pressa é um dos males de nossas vidas
E ela nos faz agir mecanicamente
Sem aproveitar totalmente o ar de cada inspiração
Nem mesmo a companhia de alguém por completo
Já que devemos dar conta de tantas obrigações
Como se o mundo fosse acabar em poucos minutos
E a quebra desse ritmo fosse a grande causadora de paradas cardíacas

Mas pense um pouco,
Reflita sobre suas conquistas
E ponha no outro prato da balança as perdas
Conquistamos poder, coisas inimagináveis
E perdemos a inocência, um item impagável
Amores que se foram,
Momentos de amor que não tivemos
Ou aqueles feitos às pressas, mero objeto de troca
Que não deixaram marcas nem lembranças em nossos corações e mentes

Quanta tragédia! Poderia sufocar-me com todas elas
No entanto acontece um lampejo eventual
E com ele a certeza de que ainda temos tempo suficiente
Para embalar o sono de nossos filhos
Num momento de histeria adolescente
Porque é disso que eles precisam nessas horas
Reviver a lembrança de como era boa a quentura do seio materno
E de como era acolhedor e seguro o abraço de pai

Ainda temos tempo para dizer eu te amo
Sem que isso seja um grande problema
Nem um comprometimento maior do que o simples amor ao próximo,
Ao ser humano,
Sem querer deixar ninguém encabulado ou devedor
Por não ser capaz de retribuir a frase mais dita no mundo depois do advérbio não

Sim, o tempo que nos falta para crescer mais e mais
É aquele mesmo tempo que nos escorre pelos dedos todas as manhãs
Quando nos damos conta de quão atrasados estamos
Sem saber como o perdemos tão facilmente
No cochilar entre o primeiro e o segundo toque do despertador

Tempo. Sabemos que nos resta muito pouco
E tudo o que vivemos já não volta
Perdemos o que deixamos para trás
E também o que deixamos fugir do nosso alcance por ter prioridades que às vezes nos confundem e decepcionam

Escrever essas linhas tomou-me alguns minutos
Mas acho que trouxe certa sabedoria
Por registrar pensamentos que sei me deixarão em poucos instantes
Quando já exausta, deitar minha cabeça ao travesseiro
E deixar-me levar, inconsciente pelos caminhos do sono
Na esperança de sonhar bons sonhos
E ter de volta a inspiração no amanhã
Que consumiu-se juntamente com o hoje.


Anto

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cantiga

Cantiga


Canto,
Te ouço, canto
O encanto de cada nota
De cada som
Em cada um dos espinhos
De uma serena cantata,
A breve serenata
Um ligeiro gracejo
Na poça d’água que se desfaz em pingos
Canto a toada que embala
Em noite tinta, a cantiga borrada
Que o mata-borrão deixou limpo
Como o mais puro dos linhos

Canto,
Só quero um tanto
Derrama-se em cântaro
Enquanto a ti cantarejo
Uma doce melodia,
Num prado orvalhado
Pra se ouvir calado
A seresta amiga pela qual pelejo
Ah, enche de versos esse meu cantil
Enquanto entoando
Aquele hino tão fácil
Se faz ouvir ao longe
Por entre as sombras das araucárias
O canto das aves canoras
Em canções centenárias
No mais exato dos acordes
Pra que bem cedo acordes
Sereno, ameno
E ouça o que queres ouvir

Canto a vida
Canto a beleza das formas
Canto a alegria de saltar corda
A loucura, a sina
Cantigas e mágoas,
Canções e lamúrias
Em espera paciente
Que se dissolvam as agruras
E reste somente a voz,
Na imprevisão de nossas rimas


Canto,
Te procuro num canto,
Escondido
Aguardando o sopro de um desatino
A fartar de beleza a visão
Que jubila com a vida
Revolvendo a terra úmida
Com seus cheiros e aromas de festa
Emprestando ao céu as bolhas de sabão
Fugidas das pautas
As claves incautas
Pra que façam viver soltos os pássaros
Cantarolando por cima do portão


Anto 15/01/2008

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Tempo

Tempo

Estive perto
Há três segundos
No limite entre o distante e o junto
No entremeio do passado com o futuro
Em que o agora se faz presente
Tão fora quanto ora está o ausente

Vai-te viajante do tempo
Sob as intempéries da pedreguenta estrada
Vai-te logo à procura de bom abrigo
Na imensidão da noite enluarada
Onde moram os espíritos mordazes
Que a tudo fazer são capazes
Até espoliar-te de amigos

Já o carma ancorou-me
Nessa marina de águas turmalinas
E passeia pelo cais, incauto
Ignorante do real cadafalso
Mimetizado em alheias armadilhas

O tempo balança a libra dos justos
Pende ora para lá, ora para cá
Ignorando as horas, na verdade engolindo-as
Enquanto deixa atrás de si os rastros
Que carregamos com a força dos braços
Para que se possa registrar a história


Anto 29/05/08

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Quieto

Quieto

Posso ouvir teus passos
A chegar-se manso,
Instalar-se
E aquietar-se nas horas de encanto
Saboreando de olhos fechados
O gosto de maresia
Aninhado
Sereno e isolado
Sem querer dividir pensamento
Nem compartilhar do sorriso leve
Que te brota feliz na doce face.


Anto 20/10/08

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Belas pernas - a missão

Belas pernas - a missão

Pois estávamos nós duas novamente em nossa costumeira voltinha pelo Higi.
Minha amiga, às compras, carregando-me à tira-colo como sua assessora de moda particular. Não entendo bem o motivo já que nossos gostos são completamente diferentes. Segundo a própria, faz o estilo hippongo-moderno e eu, já mais clássica, olhando com muitas reservas qualquer comprimento que se mostre acima dos joelhos. Roupa justa, nunca. Barriga de fora, nem pensar. E total comedimento pra não parecer nem Hebe, nem Xuxa e nem a linda Gisele, já que as roupas de Gisele só ficam bem em Gisele.
Discutindo um detalhezinho de logística, paradas num determinado ponto ao pé da escada rolante, vejo Mirela acenando e sorrindo para alguém.
Quando virei-me, achei que estava tendo uma miragem, mas daquelas ruins.
O tal cara da pior cantada dos últimos tempos (vide arquivo do blog - Belas Pernas – parte I). Meu Deus!
O sujeito materializou-se na nossa frente e veio nos cumprimentar com beijinhos como se íntimo fosse.
Quis ser simpática e perguntei-lhe pelo amigo. Recebi em troca um resposta bem antipática.
- Amigo não, sócio!
Ok, não está mais aqui quem perguntou.
Aliás, ultimamente, não tenho dito coisas muito boas ou muito coerentes. Ou melhor, não tenho sido bem interpretada. Ou ainda, não tenho conseguido fazer-me entender. Enfim... um pequeno problema de comunicação, deixa pra lá.
E a propósito dos nossos foras habituais minha amiga lembrou de um personagem do seriado Friends que falava as maiores besteiras e justificava não conseguir controlar o que lhe saía pela boca.
Pois é essa a sensação que tenho, descontrole total. Eu me lembraria de não perder a grande oportunidade de ficar calada se não fosse assim meio desmemoriada.
Mas voltando à vaca fria. Conseguimos despistar o fulano que só mais tarde vimos sentado na praça de alimentação, em companhia de duas mulheres. Sabe-se lá, as novas belas pernas do pedaço.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

24 toques para ser mais feliz

24 toques para ser mais feliz.

01 - Seja ético. A vitória que vale a pena é a que aumenta sua dignidade e reafirma valores profundos. Pisar nos outros para subir desperta o desejo de vingança.

02 - Estude sempre e muito. A glória pertence àqueles que têm um trabalho especial para oferecer.

03 - Acredite sempre no amor. Não fomos feitos para a solidão. Se você está sofrendo por amor, está com a pessoa errada ou amando de uma forma ruim para você. Caso tenha se separado,curta a dor, mas se abra para outro amor.

04 - Seja grato(a) a quem participa de suas conquistas. O verdadeiro campeão sabe que as vitórias são alimentadas pelo trabalho em equipe. Agradecer é a melhor maneira de deixar os outros motivados.

05 - Eleve suas expectativas. Pessoas com sonhos grandes obtêm energia para crescer. Os perdedores dizem: "isso não é para nós". Os vencedores pensam em como realizar seu objetivo.

06 - Curta muito a sua companhia. Casamento dá certo para quem não é dependente.

07 - Tenha metas claras. A História da Humanidade é cheia de vidas desperdiçadas: amores que não geram relações enriquecedoras, talentos que não levam carreiras o sucesso, etc. Ter objetivos evita desperdícios de tempo, energia e dinheiro.

08 - Cuide bem do seu corpo. Alimentação, sono e exercício são fundamentais para uma vida saudável. Seu corpo é seu templo. Gostar da gente deixa as portas abertas para os outros gostarem também.

09 - Declare o seu amor. Cada vez mais devemos exercer o nosso direito de buscar o que queremos (sobretudo no amor). Mas atenção: elegância e bom senso são fundamentais.

10 - Amplie os seus relacionamentos profissionais. Os amigos são a melhor referência em crises e a melhor fonte de oportunidades na expansão. Ter bons contatos é essencial em momentos decisivos.

11 - Seja simples. Retire da sua vida tudo o que lhe dá trabalho e preocupação desnecessários.

12 - Não imite o modelo masculino do sucesso. Os homens fizeram sucesso a custa de solidão e da restrição aos sentimentos. O preço tem sido alto: infartos e suicídios. Sem dúvida, temos mais a aprender com as mulheres do que elas conosco. Preserve a sensibilidade feminina - é mais natural e mais criativa.

13 - Tenha um orientador. Viver sem é decidir na neblina, sabendo que o resultado só será conhecido, quando pouco resta a fazer. Procure alguém de confiança, de preferência mais experiente e mais bem sucedido, para lhe orientar nas decisões, caso precise.

14 - Jogue fora o vício da preocupação. Viver tenso e estressado está virando moda. Parece que ser competente e estar de bem com a vida são coisas incompatíveis. Bobagem ... Defina suas metas, conquiste-as e deixe as neuras para quem gosta delas.

15 - O amor é um jogo cooperativo. Se vocês estão juntos é para jogar no mesmo time.

16 - Tenha amigos vencedores. Aproxime-se de pessoas com alegria de viver.

17 - Diga adeus a quem não o(a) merece. Alimentar relacionamentos, que só trazem sofrimento é masoquismo, é atrapalhar sua vida. Não gaste vela com mau defunto. Se você estiver com um marido/mulher que não esteja compartilhando, empreste, venda, alugue, doe... e deixe o espaço livre para um novo amor.

18 - Resolva! A mulher/homem do milênio vai limpar de sua vida as situações e os problemas desnecessários.

19 - Aceite o ritmo do amor. Assim como ninguém vai empolgadíssimo todos os dias para o trabalho, ninguém está sempre no auge da paixão. Cobrar de si e do outro viver nas nuvens é o começo de muita frustração.

20 - Celebre as vitórias. Compartilhe o sucesso, mesmo as pequenas conquistas, com pessoas queridas. Grite, chore, encha-se de energia para os desafios seguintes.

21 - Perdoe! Se você quer continuar com uma pessoa, enterre o passado para viver feliz. Todo mundo erra, a gente também.

22 - Arrisque! O amor não é para covardes. Quem fica a noite em casa sozinho, só terá que decidir que pizza pedir. E o único risco será o de engordar.

23 - Tenha uma vida espiritual. Conversar com Deus é o máximo, especialmente para agradecer. Reze antes de dormir. Faz bem ao sono e a alma. Oração e meditação são fontes de inspiração.

24 - Muita Paz, Harmonia e Amor... sempre!

Roberto Shinyashiki

domingo, 19 de outubro de 2008

Aulas particulares e inundação II


Aulas particulares e inundação II


Resolvi quebrar a história em duas partes pra não ficar muito longa. Mas precisa haver o link pois o segundo tomo aconteceu em consequência do primeiro.

Depois da derradeira aula particular e do definitivo pedido de demissão do nosso professor-aluno, precisávamos encontrar algo para descarregar as energias em ebulição.

Achamos que deveríamos rezar um pouco, nos redimir dos pecados que havíamos cometido. Já que estávamos um andar abaixo da capela, subimos, na tentativa de nos penitenciar com São Bento.

Não me lembro se a capela estava aberta ou trancada, mas uma coisa nos chamou a atenção do lado de fora, um equipamento interessantíssimo chamado hidrante. Dentro da portinhola de vidro, aquela mangueira enrolada foi um convite para nossa curiosidade científica.

Opa, o hidrante não estava trancado e assim tivemos livre acesso a ele. Dessa vez, movidas pelo impulso incontrolável de dezenas de pequenos súcubos (ai meu Pai, perdão!), desenrolamos a tal mangueira inteirinha e ainda abrimos o registro.

Tivemos medo (claro) da pressão, por isso a cautela de não abrir demais, apenas o suficiente para ver um fio de água começar a escorrer pela escadarias.
Descemos em silêncio. Na manhã seguinte, fomos surpreendidos com a visita do diretor e de um professor na sala de aula. Vieram dar a notícia que o colégio havia sido inundado por “vândalos”. No período noturno funcionava a faculdade Tibiriçá nas dependências do colégio e foram eles a sofrer as consequências da nossa traquinagem.

Feitas as devidas ameaças de suspensão, expulsão, etc à nossa classe e ao restante do colégio, começou o burburinho e especulações sobre quem teria feito o tal vandalismo. Muitos dedos apontaram para Renato, considerado aluno-problema e que, por coincidência, estudava na nossa sala. Ele ficou quieto e nós também.

Dias depois, o colégio encontrava-se em uma calmaria insuportável. Os hormônios em ebulição, aquele desejo por novidades, as aulas vespertinas entremeadas por horas de inatividade. Cristina e eu subimos novamente ao andar da capela. Só pra conferir o hidrante que depois do incidente devia estar muito bem trancado das mãos dos alunos. Só pra conferir… e não estava!

Novamente atentadas… Sem pestanejar desenrolamos a mangueira e abrimos o registro, como da primeira vez. Saímos correndo escadaria abaixo, os corações disparados pela adrenalina. Chegamos ao térreo sem sermos vistas, pegamos nossas coisas e partimos para a rua e para a segurança de nossas casas.

Na manhã seguinte, o professor Vasco entrou na sala como um furação. Ele espumava, berrava, socava a mesa. O responsável, ou responsáveis seriam expulsos do colégio, blá, blá blá… Acabada a ladainha, ele sai bufando e a classe toda vira-se pra o fundão, onde Renato está sentado, incólume, com a consciência tranquila.

- Fala Renato, foi você!

- Euuuuuu?

E de tanto especularem, Renato acabou gostando da projeção que teve sem querer e nunca negou o fato. Por isso não tivemos o menor peso na consciência que a culpa tenha recaído sobre ele. Calou-se e quem cala, consente.

Quanto a nós, meninas de família e acima de qualquer suspeita, levamos esse segredo cada uma para nossas vidas particulares. E hoje, depois de mais de vinte anos em que estivemos perdidas uma da outra, podemos finalmente divulgar essas artes.

Ah, claro, embora a tentação fosse grande, achamos prudente não repetir uma terceira vez. Temos certeza que o professor Vasco deve ter ficado dias e dias de plantão para ver se pegava alguém em flagrante.

Aulas particulares e inundação I

Aulas particulares e inundação I

Voltando alguns anos, início da década de 80 (já deu pra perceber o quanto sou saudosista?), uma adolescência que passou rápida para todo mundo, hoje está bem fresca e presente na minha memória, pois tenho a sorte de poder relembrá-la todos os dias com pessoas queridas que conheci naqueles tempos.

Então, além das lembranças, vamos às confissões. Tá curioso/a?
Quem estudou no São Bento deve se lembrar de um colégio tradicional, naquele tempo recém admitindo a matrícula de mulheres (até 70 e poucos era um colégio só para meninos) e por isso mesmo as meninas eram poucas e disputadas entre os rapazes por meio de apostas.
Bom, não vou entrar em detalhes sobre isso porque não vem ao caso aqui.
O que eu quero é fazer um relato confitente. Mea culpa! Mea culpa e de Cristina também.
Quando o Papa esteve aqui no ano passado e ficou hospedado no São Bento, fiquei lembrando de algumas passagens que vivemos lá dentro daqueles corredores que conheciamos tão bem.
Revi pela tv os jardins que admirávamos dos janelões que davam para o páteo interno da residência dos padres. Era um jardim de passagem, contemplação e oração, com suas flores e gatinhos. As meninas eram proibidas de entrarem lá, assim como na clausura. Só nos restava espiar pelas janelas ou através das frestas dos portões sempre trancados. Víamos o varal improvisado nas janelas dos quartos dos padres, secando os cuecões samba-canção.
Acho que admitir mulheres causou muito rebuliço no colégio.
Éramos na maioria meninas de família e também uma ou outra de natureza mais avançada que se destacavam entre os alunos.
Logo no primeiro dia de aula no novo colégio conheci Cristina.
Ficamos amigas e não nos desgrudávamos. Éramos ambas meninas de família e por isso mesmo, acima de qualquer suspeita.
Depois do terceiro ano na mesma classe, já nos sentíamos entediadas e sempre que podíamos aprontávamos alguma.
Tudo começou quando inventamos que precisávamos de aulas particulares em física. Bom, realmente precisávamos, mas resolvemos contratar como professor um aluno cdf da outra classe. Ele, com muito boa-vontade concordou em nos dar aulas durante os intervalos do horário da tarde. Naquele tempo ficávamos o dia todo no colégio, três vezes por semana e tinhamos bastante tempo ocioso por lá.
O local escolhido para essas aulas foram as escadarias do último andar da torre que dá acesso à capela do colégio, aquela onde o Papa foi rezar a missa para os beneditinos.
As aulas começavam assim:
- Onde estão os cadernos?
- Não temos cadernos.
- Como assim?
- Prestamos bastante atenção nas aulas e não anotamos nada. Depois copiamos as lições dos amigos.
- Mas como vou ensinar se não têm cadernos?
Nesse momento, um grito e um desmaio.
Cristina me chacoalhava, o rapaz em pânico, branco de medo. Aí de repente, ressuscito em meio a gargalhadas. O menino, agora vermelho de raiva, pega suas coisas e vai embora enquanto nos esborrachávamos de rir caídas pelas escadarias.
No outro dia, juras de perdão, promessas de levar os cadernos, pedidos de uma nova chance. E lá íamos novamente para as aulas particulares de física com nosso colega cdf. Tudo começava muito bem, com seriedade, mas no decorrer das aulas algum súcubo saltava em nossos ombros e nos espetava com seu tridente em brasa. Pronto! Era uma questão de trocar olhares e estava feita a sandice, novos desmaios e olhares de estarrecimento.
- Dessa vez é de verdade, ela passou mal, acode!
E dali uns segundos, novamente as gargalhadas. Claro, depois do terceiro desmaio perdemos nosso professor de vez. Alguns anos mais tarde o encontrei na saída de um show. Chamei-o, mandei tchauzinho, mas ele virou a cara e fingiu não me conhecer. Bem feito pra mim!

sábado, 18 de outubro de 2008

Belas pernas

Belas pernas

Coincidência ou não, Mirela já atendia por esse apelido na adolescência.
Pernas de bailarina, grossinhas até, com batatas bem desenvolvidas e coxas suculentas.
Com tudo em cima, considerando sua idade atual (ok Mirela, você é mais nova que eu, está registrado), as pernas ainda chamam a atenção.
Uma noite dessas fomos ao nosso habitual passeio ao shopping Higienopolis. Gosto de ir nesses lugares sozinha, sem ninguém me apressando, ou acompanhada por ela porque são os momentos em que podemos conversar sossegadas, comer alguma coisa, entrar em todas as lojas de sapatos, comprar ou não comprar nada.
Isso já se tornou até folclore pois Pedro, seu chefe, sempre intrigado com o que fazemos e conversamos tanto, vez ou outra faz questão de ir almoçar com Mirela por lá, onde eu costumeiramente os encontro para o café, enquanto degustam suas calóricas sobremesas.
- Mas o que vocês fazem todas as vezes que vêm ao shopping?
- Nada de mais, apenas observamos as tendências.
Pedro continua na mesma, com aquela cara de ponto de interrogação inconformado com a simplicidade da resposta e certo de que fazemos algo ilícito.
Pois bem, naquela noite, tínhamos muitos assuntos a tratar ela e eu. Resolvemos comer uma pizza daquelas do tipo brotinho do restaurante Viena antes de sua aula de inglês, ali próximo. O horário era bom, a praça vazia com muitos lugares para sentar.
Famintas, fizemos nosso pedido e escolhemos nos acomodar na ponta de uma fileira de mesas que estava vazia.
Minha pizza saiu primeiro, fui buscar e sentei-me. Na seqüência ela foi buscar a outra.
Nesse exato momento em que estava sozinha, vejo um sujeito alto, de terno, segurando sua bandeja e vindo em minha direção como uma flecha, fitando fixamente com olhos de lince.
Sem pestanejar, pousou sua bandeja na mesa ao lado e empurrou as tralhas da Mirela que estavam em cima de mesa pegada à nossa, enquanto perguntava se poderia sentar-se ali.
Achei esquisito porque havia muitos outros lugares livres, mas não quis parecer grosseira, então fiz uma mesura com a mão, assentindo ao seu pedido.
Estava acompanhado por um amigo bastante distinto, igualmente engravatado e mais velho, o qual deu a volta e pediu permissão para sentar-se ao meu lado.
Observando essa movimentação lá do restaurante, Mirela chegou e sentou-se. O cara já lhe estendeu a mão, apresentou-se e todos nos apresentamos educadamente.
Ela e eu começamos a conversar entre nós e o tal cara fez menção em levantar-se dizendo que não queria atrapalhar a conversa.
- Imagine, não se incomode, o local é público e não estamos conversando nenhum segredo (mentira!), - eu disse, louca para que fossem sentar em outro lugar.
Nesse momento minha a amiga achou que eu falava em código, pensando que havia me interessado por ele, então, querendo me ajudar, começou a ser simpática e entabular uma conversa com o sujeito.
O que essa louca está fazendo, pensei.
A um certo momento da conversa o cara vira pra ela e diz em tom de confissão:
- Você quer saber mesmo a verdade, o porque vim sentar-me aqui?
- ????
- Foi por causa de suas pernas!
Quase tive um síncope, cheguei a engasgar com a pizza. Virei pra o lado e não consegui segurar o ataque de riso. Eu suava, ria nervosamente, queria dar o fora dali o mais rápido possível. Peguei o celular e simulei um telefonema para o vento, a fim de tentar me acalmar.
Enquanto isso, Mirela, a vítima da pior cantada que ouvi nos últimos tempos, não se fez de rogada e incorporou o papel de um par de pernas ambulantes sem corpo, sem braços e sem cérebro.
O senhor que o acompanhava estava mudo, evidenciando um constrangimento que já era habitual, pelo que percebemos.
Já sentindo-se intimo o chato contou toda sua vida pessoal. Casou, separou, casou de novo, separou e disse que a última ex-mulher havia conhecido em outro shopping. Cá entre nós, provavelmente utilizando a mesma técnica de aproximação: o fetiche das pernas.
Só falou vantagens, brincava com um charuto que iria fumar lá embaixo, sujeito metido, dizendo-se dono de incorporadora, mas cara de delegado de polícia de quinta. A um dado momento, sacou do bolso um distintivo dourado, não sei pra que.
Durante o discurso falou das pernas mais umas três vezes. Ridículo!
E ainda teve o desplante de perguntar se minha amiga era comprometida (no que ela mentiu, claro).
Enfim, acabado o jantar, nos despedimos.
O amigo do Don Juan, na verdade sócio conforme soubemos durante a conversa, cumprimentou Mirela, dizendo que ela era muito boa pessoa e extremamente simpática. Já devia estar acostumado a presenciar os foras que o fulaninho deve tomar todos os dias com essa conversinha mole.
Descemos as escadas rolantes, eles primeiro, nós na seqüência. Nos despedimos, ainda aturdidas, e lá foi Mirela para sua aula de inglês, desfilando suas belas pernas anonimamente pela multidão.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Carabinieri


Carabinieri

Em seu comentário a Le acabou de me lembrar de uma outra passagem interessante.
Vou contar só mais essa antes de dormir.
Após nos instalarmos na casa do padre, saímos para passear pela cidade, acompanhados por uma imigrante romena. Não me lembro o nome dela, ajudem.
Ela era simpática e muito prestativa, estava preocupada em nos ciceronear, mas a coitadinha ainda se perdia em Padova. Não falava muito bem o italiano, estava lá para estudar e trabalhar. Contudo, conseguiamos uma certa comunicação.
Nessa saída, pegamos o ônibus com ela e chegamos no centro. Detalhe: tínhamos acabado de chegar de viagem e estávamos praticamente sem dormir.
As sete mulheres, oito com a romena, andaram muito aquele dia. Chegamos em Prato della Valle e ficamos por lá pois havia uma feira. É uma espécie de praça muito, muito grande e circular e ficamos completamente desorientadas, sem saber por onde havíamos entrado e onde seria a saída mais próxima do ponto de ônibus.
Cansadas, muito cansadas e com fome, muita fome. Não almoçamos naquele dia conturbado.
De repente, uma delegacia! Caramba, os carabinieri serão nossa salvação, claro.
Não pensamos duas vezes para entrar.
Vale lembrar que as delegacias da Europa de um modo geral não se assemelham com nenhuma aqui de São Paulo. As ocorrências certamente são em menor número e por isso encontramos o local vazio, calmo, tranquilo.
Como disse a Le, nosso ingresso bombástico foi impactante para os carabinieri, ao verem tantas mulheres entrarem juntas e tagarelando na delegacia que estava às moscas.
- Mas o que foi que aconteceu, Madonna mia?!
O homem ficou visivelmente preocupado, mas quando dissemos que estávamos perdidas ele relaxou.
Ficamos lá um tempão e nenhum dos carabinieri conseguiu nos explicar como pegar o ônibus. Na verdade nem eles sabiam.
Resolvemos ir embora porque esses carabinieri eram uns incompetentes. Onde já se viu, se fosse em São Paulo qualquer policial sabe informar o itinerário dos ônibus.
Na Italia como só andam de Mercedes, é isso que dá.
Pegamos um ônibus (errado, claro), descemos, rodamos e enfim achamos o ponto onde deveríamos esperar.
Só sei que no ônibus certo o motorista disse que adorava as brasileiras e ainda tivemos que aguentar o cara querendo nos convencer a ir com ele pra balada depois do expediente.

Terroristas por acaso


Terroristas por acaso

E naquela mesma viagem de 2005 rumo ao vêneto, nos deparamos com outras situações inusitadas.
Aquela euforia de viajar em grupo como muitos há muito não faziam e outros nunca tinham pisado sequer num avião. Era muita novidade, muita informação junta, muitas dúvidas desde aquelas mais banais como o que levar para vestir, até probleminhas preocupantes com passaportes e outras documentações.
Felizmente tudo deu certo e embarcamos sem problemas.
O vôo foi noturno, mas quase ninguém dormia. Conversas, filmes e logo pudemos ver a claridade do sol pelas frestas das janelas fechadas.
O café-da-manhã sendo servido e na sequência o alvoroço para os banheiros.
Nayrob se levanta e sem a menor cerimônia dá uma cheirada em cada uma de suas axilas.
Antes de continuar, preciso abrir um parêntese para apresentar Nayrob, essa figura humana extraordinária, diria o Faustão. Conta o próprio que sua mãe, ainda grávida, abriu o atlas e deu de cara com o continente africano, mais especificamente com o Quênia, cuja capital é Nairobi. E esse acabou sendo o nome escolhido para o filho, com algumas adaptações ortográficas, presumo, considerando a numerologia, a conjunção dos astros e estrelas, o solstício de inverno no hemisfério sul e o movimento da aurora boreal no norte.
Voltando ao avião da TAP que se dirigia ao aeroporto internacional de Lisboa, enquanto Nayrob conferia a intensidade do seu feromônio axilar, infelizmente bem próximo de mim.
De repente ele sumiu, voltando depois de uns dez minutos, com os olhos esbugalhados.
- O que aconteceu?
- Esse filho-da-mãe de comissário sem educação arrombou a porta do banheiro enquanto eu estava lá dentro, - esbravejou, indignado.
Todos quiseram saber o motivo prontos para ir tomar satisfações, já que no jantar um dos comissários deu um ataque porque um de nossos amigos ficou confuso entre escolher “pollo”, “gallllinhash” ou “chiiiiiiiiiiickennnn” (enquanto o tal comissário saltitava e batia as asas descontroladamente na nossa frente). Ah, esses comissários portugueses!
Então Nayrob finalmente explicou o ocorrido.
Reconhecendo que estava com o banho mais que vencido, conseguiu com uma de nossas amigas um desodorante aerosol (que é item proibidíssimo nos vôos, diga-se de passagem). Foi até o banheiro, arrancou a camisa e SHHHHHHHHHHHH…. momento em que dispara um alarme. No mesmo instante, um comissário simplesmente arromba a porta e o pega no flagra, com o desodorante em punho, enquanto os curiosos se aglomeravam para espiar do lado de fora. Depois do susto e da bronca, Nayrob volta para seu lugar, irresignado.
E para nosso desespero, o desodorante sequer amenizou a situação.

Aterrissamos sem problemas, mas tínhamos que administrar um outro problema. Cerca de quarenta minutos para desembarcar, passar pela alfângeda e pegar a conexão para Veneza.
Quem tinha o passaporte da comunidade européia pegou a fila menor e logo estava do outro lado, aguardando os demais que ficaram na longa fila dos estrangeiros.
Gianni, nosso tutor os acompanhava. A um certo ponto, já aflitos pela demora, vimos pela vidraça uma movimentação estranha e um tumulto em volta do nosso grupo que passava as bolsas de mão pelo raio X.
Pegaram a bolsa de um, jogaram tudo no balcão. A bolsa de outro e mais outro… Pronto, alguém vai ferrar o grupo todo, pensamos.
E o relógio corria, nossa conexão já esperava. E aquela confusão que não se resolvia.
Finalmente, depois de minutos que pareceram horas, olhares assustados, o grupo aparece correndo na sala de embarque. Conseguimos embarcar.
A explicação foi a seguinte. Os portugueses viram pelo raio X uma faca (uma faca?!) na bolsa da Andrea e por via das dúvidas fizeram com que todos despejassem suas coisas para revista. Nisso rolou cueca de um, pijama de outra, meia, pasta de dente… e a faca que Andrea havia pego no avião como souvenir junto com o garfo e a colher.
Resolvido o mistério, os talheres recuperados pelos portugueses. E quase acabamos deportados antes mesmo de chegar ao destino.



Sem carona


Sem carona

Estávamos em Padova - 2005.
Éramos sete mulheres e oito homens, mais o nosso tutor Gianni.
Os homens ficaram hospedados na república da universidade – ESU Copernico, enquanto as mulheres foram alojadas fora da cidade, na casa de um padre que estava em peregrinação.
Nada que cerca de meia-hora de espera no ponto de ônibus, mais meia-hora de trajeto, mais quinze minutos andando ligeiro à pé não resolvessem. Isso depois de uma longa jornada de reuniões, palestras, almoços maravilhosos sempre regados à vinho, mais reuniões (momentos em que cochilávamos descaradamente), pequenas viagens, outras palestras, pizzas, mais vinho e passeios noturnos. Então chegávamos sempre meio mortas em casa.
Depois do banho, outra rodada de vinho. Risadas e todas aquelas besteiras que mulheres de pijamas reunidas podem dizer entre quatro paredes. E ainda bem que as paredes eram italianas e dificilmente compreenderiam as conversas absurdas pontuadas por intermináveis risadas que rolavam antes de desmaiarmos pelo cansaço e leve bebedeira.
Mas nem sempre estávamos juntas. Algumas vezes nos dividíamos porque tínhamos que optar entre conseguir pegar o último ônibus em torno das nove da noite, ou ficar passeando pela cidade com os demais amigos que estavam na boca dos acontecimentos.
Certo que Padova tem lá seus encantos, mas chega uma certa hora que fica tudo deserto. Aproveitávamos para andar pelas vielas escuras, tirar fotos noturnas, conversar. Dava um pouco de medo porque assim como as outras cidades da Italia, Padova não deve ser mais a mesma depois da invasão dos extra-comunitários. Resultados da globalização. Uma pena pois cada vez mais se perde a identidade de um povo, de uma nação. É quase como aqui em São Paulo. Quase como…
Uma noite dessas, Juliana, Leticia e eu resolvemos ficar na centro. Fazia tempo que não líamos nossos e-mails e o único local de acesso era a sala de informática do alojamento da universidade, onde tínhamos que aguardar uma interminável fila composta pelos estudantes nativos e outros estrangeiros como nós.
Optamos por ficar por lá naquela noite e assim perdemos o último ônibus. Não sei bem se tínhamos um plano para voltar para casa, mas enfim, estávamos confiantes que tudo se ajeitaria. Pra falar a verdade, ficamos rebeldes e resolvemos chutar o pau da barraca mesmo.
Horas antes, naquele final de jornada, nosso tutor Gianni havia parado um taxi, entrou e foi embora com mais uns quatro da equipe masculina. Nós, as damas, atônitas com tamanha falta de cavalheirismo, ouvimos apenas um “ciao” e ninguém entendeu mais nada. Ficamos largadas no meio da rua. Dessa forma, quatro mulheres resolveram voltar para casa de ônibus e nós, as rebeladas, fomos caminhando por mais de uma hora para encontrá-los já frescos do banho e descansados.
Nem me lembro se conseguimos uma vaga na sala de informática, mas a um certo momento bateu aquela fominha.
Tudo fechado, apenas as máquinas de bebida e sanduiches duvidosos funcionando. Ou então o bar-café da esquina. Fomos as três ao bar-café.
Abrimos a porta e nenhum cliente. Surgiu por trás do balcão a figura redonda do dono do bar, enxugando um copo.
Cumprimentamos e nos acomodamos em uma mesa, quando pudemos ver uma figura sinistra nos observando de um canto mal iluminado pelos letreiros de luz neon. Fingimos nos concentrar no cardápio e esquecemos o tal que nos olhava com ganas de lobo faminto.
O dono veio logo receber o pedido, simpático até.
Para simplificar pedimos três tosts e três cappuccinos. Tost é o nome italiano para um sanduiche de pão de fôrma com presunto e queijo, uma espécie de misto-quente mais mirrado que os nossos daqui, mas muito bom.
“Cappuccio uno, cappuccio due, cappuccio tre”, disse o gordinho ao nos servir, fazendo a mesma referência numérica para os tosts.
Sim, foi simpático. E também nos pareceu adequado perguntar-lhe sobre taxis para voltar para casa.
- Mas para onde vocês vão?
- Estamos fora da cidade, num bairro chamado San Bellino.
- Coindicidência, é onde eu moro.
Olhou para o relógio na parede e complementou:
- Eu fecho à meia-noite. Agora são onze, se quiserem esperar eu posso dar-lhes carona até lá.
Nos entreolhamos e achamos a idéia razoável. O cara parecia decente e estávamos em três.
- Vamos avisar nossos amigos que iremos com você.
- Ok, se quiserem aguardar saímos daqui uma hora. Mas se quiserem ir agora, o meu primo ali pode levá-las, - disse apontando para o tal sujeito esquisito que logo sorriu um sorriso extremamente suspeito e acenou para nós.
Só nos ocorreu repetir que iríamos conversar com nossos amigos (para não parecermos sozinhas e desamparadas) e que voltaríamos à meia-noite. Pagamos a conta e saímos correndo. Aqueles dois não eram primos nem lá e nem na China. O dono do bar era italiano, mas o tal primo tinha no mínimo a cara de leste europeu. Optaríamos por voltar com o italiano, claro.
A Ju foi tentar novamente a fila para o computador enquanto a Le e eu fomos informar ao Gianni sobre nossa já acertada carona com o dono do bar.
Batemos à porta do alojamento e fomos recebidas por ele, mal saído do chuveiro e semi- enrolado em algo que parecia uma toalha de rosto tamanho GG, com a qual se esforçava para esconder as partes pudicas do corpinho.
Pra quem não conhece o Gianni, ele lembra um pouco o Jô Soares, mais alto talvez. E mais gordo também.
Enfim, fomos chamadas de “suas loucas” e proibidas de voltar ao bar. Ele pediu um radio-taxi e pagou a corrida. Chegamos sãs e salvas na casa do padre, onde nossas amigas já dormiam sono solto.
Na manhã seguinte o comentário geral era que escapamos de ter nos tornado escravas brancas em algum lugar no Oriente Médio.E o dono do bar ainda deve ter ficado bem mal impressionado já que nem voltamos para agradecer.

Aconteceu na Bahia


Aconteceu na Bahia

Mesmo em tempos de ditadura imposta pelo regime militar, com um general à frente da presidência da república, ainda se podia rir neste país. Um tanto quanto às escondidas quando se falava em política, escancaradamente quando o motivo era banal ou se tratava da excentricidade de algum parente ou amigo.
Seu Antonio era soteropolitano da gema. Casado com a tranquila e ponderada dona Amarante, cuja mãe, vó Edith, era minha avó por estima. Avó de tantas outras crianças também, dentre elas Sergio, Mirela e Cíntia, filhos do casal Antonio-Amarante. A do meio, Mirela, é jornalista, mora em São Paulo, minha amiga-irmã.
Mas o caso ocorreu antes mesmo que eu tivesse nascido, ou melhor, acontecia exatamente quando eu estava para chegar ao mundo.
Lá pelos idos de 63/64, meus pais migraram de São Paulo para Salvador e se instalaram no andar térreo do pequeno edifício onde ainda moram vó Edith e a dedicada Zezé, que foi um pouco babá de todos nós. Daí, sobreveio a amizade com esta senhora e, por conseqüência, com sua filha e genro, que a visitavam diariamente. Logo, o casal teve um menino, Sergio e cerca de dois anos depois, em 67, eu já estava sendo gerada.
Um breve parágrafo para descrever, em singelas palavras, a pessoa que merece destaque nesta história. Não que as outras tenham menor importância, mas meu relato tem o intuito de registrar algumas das particularidades de um certo personagem que conseguiu colorir com graça o pacato quotidiano soteropolitano.
Seu Antonio, tinha uma personalidade peculiar. Pessoa agitada, elétrica, complexa, mas de tão excelente índole. Com seu modo um tanto confuso de agir, acabava por conquistar a simpatia de meio-mundo, e no caso não seria um exagero dizer de meia-Salvador. De outro lado, meu pai, um italiano irritadiço e sistemático por natureza, já havia incorporado alguma parcela do jeito baiano de ser. Nem se zangava mais quando o motorista estacionava o ônibus todas as manhãs para uma pelada na orla junto aos demais passageiros, antes de retomar a condução dos que iam para o trabalho. À noite porém, era meu pai quem ia à praia encontrar-se com os camaradas, todos devidamente paramentados com suas varas de pescar, linhas, molitenes, anzóis, iscas e sanduíches. Sob o capricho da lua e das marés, lá ficavam empoleirados nas pedras até altas horas, à espera dos cardumes ou de algum peixe desavisado. Seu Antonio não participava das pescarias, talvez porque não gostasse, quem sabe porque era uma prática um tanto quanto zen demais para ele, ou ainda por um eventual boicote dos amigos pescadores que lá iam meio na surdina, pois não haveriam de querer ver o jantar escapar-lhes, assustado com o típico alvoroço que ele provocava.
Em certa pescaria como tantas outras, num domingo, porém, minha mãe estava sozinha em casa quando começou a sentir as contrações. Naquele tempo não existia telefone celular, mas ainda que tivesse sido inventado, meu pai certamente não portaria um.
Ele havia saído de manhã cedinho e, visto que tardava, minha mãe resolveu recorrer à vizinha vó Edith para pedir a alguém que fosse procurá-lo nos pontos de pesca. Contudo, fortunadamente, encontrou também seu Antonio, dona Amarante e Serginho, que ali estavam em visita.
Vó Edith nem teve chance de argumentar. Se qualquer novidade servia de estopim para uma total efervescência do genro, imagine uma situação destas, um parto! Esquecendo a mulher e o filho como quem esquece um guarda-chuva no balcão da padaria, seu Antonio precipitou-se escadaria abaixo, praticamente carregando dona Yvonne, minha mãe, no colo. Instalou-a no banco do carro e dirigiu feito um cometa para o hospital, enquanto repetia sem parar que mantivesse a calma e controlasse a respiração, tudo o que se recomenda às parturientes, mas com seu peculiar exagero. A angústia de minha mãe certamente se devia ao fato de que o condutor, um tanto afoito em seu modo de guiar, é quem parecia estar prestes a dar à luz. “Que ao menos cheguemos ilesos ao hospital”, ela rezava em pensamento.
Naquele ínterim, meu pai já havia voltado para casa, carregando o samburá cheio de peixes. Vó Edith avisava que o genro havia levado minha mãe ao hospital, momento em que seu Antonio reentra esbaforido, dizendo que o doutor não estava de plantão naquela noite e não havia mais nenhum obstetra para fazer o parto. Agarrou meu pai pelo braço e foram à casa do médico. Ali chegando, a empregada logo avisou: “O dotô tá na missa”. Mais uma vez em disparada, chacoalhando o carro nos paralelepípedos pelas ladeiras do Pelourinho, chegaram à igreja. Um à direita e outro à esquerda, tentando localizar o médico sob os olhares de reprovação de dezenas de fiés. Até que seu Antonio grita e acena: “Achei o doutor, achei”.
Antes mesmo que meu pai conseguisse chegar até eles, seu Antonio já havia se instalado no banco de trás, num espaço aberto à custa de cotoveladas entre as carolas que propositalmente lhe dificultavam a passagem. Puxava o médico pela manga da camisa, insistindo para que os acompanhasse ao hospital imediatamente, justificando que a paciente se encontrava em trabalho de parto.
Ainda que o obstetra afirmasse haver tempo até o parto em si e que só sairia dali depois da bênção do padre, seu Antonio conduzia as negociações com irrascível determinação e não se deixava intimidar. Tanto é que a um certo ponto das investidas, visivelmente enervado, o médico questionou quem era o pai da criança, afinal. “O pai é o meu amigo aqui, seu Armando”, - o qual limitou-se a esboçar um sorriso circunstancialmente amarelo, achando que uma interveniência sua àquela altura, soaria um tanto quanto incabida já que o amigo tomara por completo as rédeas da situação.
Finalmente, após a tão esperada bênção, o médico foi conduzido ao hospital e todos puderam suspirar com alívio e a certeza de missão cumprida.
Mas não pensem que esta foi a última incursão de seu Antonio aos mistérios da reprodução humana. Logo na seqüência, vieram suas filhas Mirela e Cintia. E depois delas, a filha de Raimunda, que havia sido agregada à família como babá das crianças. Ele, sempre agitado e ansioso ao levar uma parturiente à tiracolo pelos corredores do hospital, mas já habituado a ser confundido com o pai e a receber um sem número de votos de felicidades e congratulações pelo bebê da vez.


Nota: Seu Antonio e Vó Edith já são falecidos e deixaram muitas saudades.

domingo, 12 de outubro de 2008

Se

Se

"se saprai conservare la testa, quando intorno a te tutti perderanno la loro e te ne faranno una colpa; se crederai in te stesso quando tutti dubiteranno, ma saprai capire il loro dubbio; se saprai aspettare senza stancarti nell'attesa,ed essere calunniato senza calunniare; o essere odiato senza dare tu sfogo all'odio, e non apparir troppo bello, né dire cose troppo sagge; se saprai sognare senza fare del sogno il tuo padrone; se saprai pensare senza fare del pensiero il tuo fine; se saprai incontrare il trionfo ed il disastro e trattare questi due impostori nello stesso modo; se saprai sopportare di sentire le tue parole giuste falsate da ribaldi per farne trappole per i creduli; o vedere le cose per cui hai dato la vita spezzate, e curvarti e ricostruirle con logori utensili; se saprai fare un mucchio di tutte le tue vincite e rischiarle in un giro di testa e croce; e perdere e ricominciare da capo senza fiatare sulle tue perdite; se saprai forzare il tuo cuore, i nervi e i tendini per assecondare il tuo volere, anche quando essi sono consumati; e così resistere, quando non c'è più niente in te, tranne che la volontà che dice loro: reggete; se saprai parlare alle folle e mantenerti virtuoso, passeggiare con i re e non perdere la semplicità; se né i nemici, né gli amici potranno offenderti, se tutti conteranno, ma nessuno troppo; se saprai riempire il minuto che non perdona, coprendo una distanza che valga i sessanta secondi; tuo sarà il mondo e tutto ciò che esso contiene, e, ciò che più conta, tu sarai un uomo, figlio mio."

R. Kipling.

O Meretrício

O meretrício

Gentil-homem
Estás à procura de que?
Dou-te afago, dou-te dotes
Mas vendo-te afeto
Já que ele, afeto, me custa tanto também

Dou-te o corpo, beijos, açoites
Como queira
Vendo-te a alma que se desfaz em dias e noites
O espírito inquieto que se move
E já não cabe em mim

Dou-te um filho,
Dou-te vozes e gemidos
E ainda sou capaz de vender-te um suspiro
Aquele que me sai ao peito
Quando bates a porta atrás de ti

Gentil-homem, quero dar-te meu suor
E em troca tomar o calor de teus braços
Mesmo que sejas tu a pagar por entregá-los a mim
Não vejo mal,
Não possuo mal
Sou blasfêmia, sou fêmea
E aceito meu destino, minhas formas
Sem álibis insinceros

Já não posso deixar-te ir
Sem que saibas o que te posso dar
Sem que tenhas o que te quero vender
Mais uma noite
Mais um dia
Algumas horas de prazer

Gentil-homem
Estarás diante de meus olhos
Mesmo que outro seja teu semblante
Outras sejam as mãos a estreitar-me os flancos
E outros sejam os lábios a percorrer-me a espinha
Outras anedotas,
Outras pagas idiotas
Outros sonhos que não quero crer


Anto 27-05-08

Esfinge

Esfinge


Qual Esfinge está solta ao mundo
A dizimar homens, mulheres e crianças
Do ser vivente não se compadece
Desgraçando igualmente animais e plantas

Impondo medo, revolta e pânico
Urge um herói de grande intelecto
Espera-se venha ele a deslindar
A resposta do tal enigma secreto

Quem primeiro usa quatro pernas
E na seqüencia se equilibra em duas
Tempo depois utiliza três membros
Para locomover-se através das ruas ?

E apresentou-se um Édipo, rei de coragem
Com maestria e metafórica sapiência
Pôs intrincado pensamento à margem
Se atendo ao singelo observar da ciência

A questão se responde pelo Homem
Que em rebento está a andar de gatinhas
Em duas pernas se equilibra quando jovem
E o idoso em três, com o bastão caminha

Vencida, a Esfinge reconheceu a grandeza
Daquele homem que honrava a realeza
Jogou-se o monstro no abismo da tebana cidade
Recobrando pois o povo a total tranquilidade.

E assim termina essa incrível lenda poética
De um Édipo que pecou com a mãe Jocasta
Matara o pai, sem saber que ele assim o era
Alcançando o reinado em razão dessa lástima

Fôra culpada a Esfinge ao infligir o dilema
Impondo ao herói essa grande tragédia
Reino e rainha, em troca da adivinha
A vitória fez de Édipo rei por estratégia.

Anto 04-05-06

Sangria

Sangria

Foi-se o viço da face mais rosada
Que já ia não se sabe por qual via
Rastro rubro tal e qual bela granada
A esvair-se na mais pura das sangrias

Lamacento é o verão após a chuva
Respingando todo o lodo da restinga
Rosto oculto, chama viva não confunda
Desfigurada a narração da ladainha

Agridoce é o sabor de todo o amor
A doçura do encanto em anomalia
Verso limpo não existe nessa dor
Oriunda da pureza da poesia.


Anto 25-04-06

A Estrela

A Estrela



Viva luminescência que traspassa o vácuo infinito
E nos chega o véu celeste, rasgando a negra noite
Os olhos que a tudo vêem dão dizer restrito, aflito
Divisam apenas a luz que se aquieta ao horizonte

De tão amarga, está a Estrela a indagar aos astros
Quantos anos-luz a separam do seu negro abismo
Sente-se perdida no oceano, como velas sem mastros
Estática, como as Plêiades desenhadas em grafismos

Retilíneo e silente é o facho ininterrupto emitido
A distância é mera lacuna de tempo no espaço
Estão os humanos a olvidar de fatos ocorridos
Como a Estrela, aguardando a quietude do regaço.

Anto 29-05-06

Começo

Domingo chuvoso, quieto, mais apagado que de costume. Entre goles de café, propício para alguma inspiração poética tenebrosa - coisa que não veio, ainda bem.
Sob influência de uma conversa num almoço de sábado, mais especificamente ontem, me perguntei porque não abraçar a idéia de escrever e deixar ao alcance de quem quer que seja um pouco de mim?
"Ilustre desconhecida", diria minha amiga Lilian em sua recente incursão ao universo político. Também sou aqui a ilustre desconhecida de alguns, embora tão conhecida de outros e às vezes irreconhecível de mim mesma.
Então quem sabe, esse negócio seja de alguma valia.
O título bem poderia ser "recomeço", já que a todo momento estamos recomeçando algo, uma dieta, um esporte, uma conversa, um trabalho, um relacionamento, um livro... Entretanto, eu diria que começar agora significa partir de um ponto X, sem precisar olhar para trás.
Isso acontece quando a sensação do tempo que passa rápido demais se instala. E, se me lembro das aulas de geometria, utilizaria fácil hoje em minha vida a tangente, que é a distância mais curta entre dois pontos. É o que pretendo, pelo menos. Com todas as lições que levo todos os dias.
Bom, recado de uma ilustre desconhecida aos ilustres desconhecidos: se quiserem perder seu precioso tempo por aqui, fiquem à vontade.
Recado aos ilustres conhecidos e amigos: não se surpreendam com nada, pois escrever a gente escreve às vezes com a cabeça e outras com o coração.