quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sem carona


Sem carona

Estávamos em Padova - 2005.
Éramos sete mulheres e oito homens, mais o nosso tutor Gianni.
Os homens ficaram hospedados na república da universidade – ESU Copernico, enquanto as mulheres foram alojadas fora da cidade, na casa de um padre que estava em peregrinação.
Nada que cerca de meia-hora de espera no ponto de ônibus, mais meia-hora de trajeto, mais quinze minutos andando ligeiro à pé não resolvessem. Isso depois de uma longa jornada de reuniões, palestras, almoços maravilhosos sempre regados à vinho, mais reuniões (momentos em que cochilávamos descaradamente), pequenas viagens, outras palestras, pizzas, mais vinho e passeios noturnos. Então chegávamos sempre meio mortas em casa.
Depois do banho, outra rodada de vinho. Risadas e todas aquelas besteiras que mulheres de pijamas reunidas podem dizer entre quatro paredes. E ainda bem que as paredes eram italianas e dificilmente compreenderiam as conversas absurdas pontuadas por intermináveis risadas que rolavam antes de desmaiarmos pelo cansaço e leve bebedeira.
Mas nem sempre estávamos juntas. Algumas vezes nos dividíamos porque tínhamos que optar entre conseguir pegar o último ônibus em torno das nove da noite, ou ficar passeando pela cidade com os demais amigos que estavam na boca dos acontecimentos.
Certo que Padova tem lá seus encantos, mas chega uma certa hora que fica tudo deserto. Aproveitávamos para andar pelas vielas escuras, tirar fotos noturnas, conversar. Dava um pouco de medo porque assim como as outras cidades da Italia, Padova não deve ser mais a mesma depois da invasão dos extra-comunitários. Resultados da globalização. Uma pena pois cada vez mais se perde a identidade de um povo, de uma nação. É quase como aqui em São Paulo. Quase como…
Uma noite dessas, Juliana, Leticia e eu resolvemos ficar na centro. Fazia tempo que não líamos nossos e-mails e o único local de acesso era a sala de informática do alojamento da universidade, onde tínhamos que aguardar uma interminável fila composta pelos estudantes nativos e outros estrangeiros como nós.
Optamos por ficar por lá naquela noite e assim perdemos o último ônibus. Não sei bem se tínhamos um plano para voltar para casa, mas enfim, estávamos confiantes que tudo se ajeitaria. Pra falar a verdade, ficamos rebeldes e resolvemos chutar o pau da barraca mesmo.
Horas antes, naquele final de jornada, nosso tutor Gianni havia parado um taxi, entrou e foi embora com mais uns quatro da equipe masculina. Nós, as damas, atônitas com tamanha falta de cavalheirismo, ouvimos apenas um “ciao” e ninguém entendeu mais nada. Ficamos largadas no meio da rua. Dessa forma, quatro mulheres resolveram voltar para casa de ônibus e nós, as rebeladas, fomos caminhando por mais de uma hora para encontrá-los já frescos do banho e descansados.
Nem me lembro se conseguimos uma vaga na sala de informática, mas a um certo momento bateu aquela fominha.
Tudo fechado, apenas as máquinas de bebida e sanduiches duvidosos funcionando. Ou então o bar-café da esquina. Fomos as três ao bar-café.
Abrimos a porta e nenhum cliente. Surgiu por trás do balcão a figura redonda do dono do bar, enxugando um copo.
Cumprimentamos e nos acomodamos em uma mesa, quando pudemos ver uma figura sinistra nos observando de um canto mal iluminado pelos letreiros de luz neon. Fingimos nos concentrar no cardápio e esquecemos o tal que nos olhava com ganas de lobo faminto.
O dono veio logo receber o pedido, simpático até.
Para simplificar pedimos três tosts e três cappuccinos. Tost é o nome italiano para um sanduiche de pão de fôrma com presunto e queijo, uma espécie de misto-quente mais mirrado que os nossos daqui, mas muito bom.
“Cappuccio uno, cappuccio due, cappuccio tre”, disse o gordinho ao nos servir, fazendo a mesma referência numérica para os tosts.
Sim, foi simpático. E também nos pareceu adequado perguntar-lhe sobre taxis para voltar para casa.
- Mas para onde vocês vão?
- Estamos fora da cidade, num bairro chamado San Bellino.
- Coindicidência, é onde eu moro.
Olhou para o relógio na parede e complementou:
- Eu fecho à meia-noite. Agora são onze, se quiserem esperar eu posso dar-lhes carona até lá.
Nos entreolhamos e achamos a idéia razoável. O cara parecia decente e estávamos em três.
- Vamos avisar nossos amigos que iremos com você.
- Ok, se quiserem aguardar saímos daqui uma hora. Mas se quiserem ir agora, o meu primo ali pode levá-las, - disse apontando para o tal sujeito esquisito que logo sorriu um sorriso extremamente suspeito e acenou para nós.
Só nos ocorreu repetir que iríamos conversar com nossos amigos (para não parecermos sozinhas e desamparadas) e que voltaríamos à meia-noite. Pagamos a conta e saímos correndo. Aqueles dois não eram primos nem lá e nem na China. O dono do bar era italiano, mas o tal primo tinha no mínimo a cara de leste europeu. Optaríamos por voltar com o italiano, claro.
A Ju foi tentar novamente a fila para o computador enquanto a Le e eu fomos informar ao Gianni sobre nossa já acertada carona com o dono do bar.
Batemos à porta do alojamento e fomos recebidas por ele, mal saído do chuveiro e semi- enrolado em algo que parecia uma toalha de rosto tamanho GG, com a qual se esforçava para esconder as partes pudicas do corpinho.
Pra quem não conhece o Gianni, ele lembra um pouco o Jô Soares, mais alto talvez. E mais gordo também.
Enfim, fomos chamadas de “suas loucas” e proibidas de voltar ao bar. Ele pediu um radio-taxi e pagou a corrida. Chegamos sãs e salvas na casa do padre, onde nossas amigas já dormiam sono solto.
Na manhã seguinte o comentário geral era que escapamos de ter nos tornado escravas brancas em algum lugar no Oriente Médio.E o dono do bar ainda deve ter ficado bem mal impressionado já que nem voltamos para agradecer.

2 comentários:

laetitia maremotto disse...

Nossa, Ton, adorei o relato, e relembrar essa história (sem duvida uma das melhores da viagem)! Eramos mesmo as mais afoitas em aproveitar cada minuto possivel por lá...
Teve também a nossa chegada bombástica e barulhenta em 7 mulheres na delegacia do Prato della Valle pra perguntar que ônibus tomar... e quanto perguntamos ao "autista" se era perigoso voltar a pé por aquela região tarde da noite, e ele: "perigoso? vocês são em 7!!!"
E a Ju falando "siamo in Italia!!"
Eita, quanta saudade!

laetitia maremotto disse...

ah, e o inesquecível "secondo me" matinal da Andréa, e a risada ébria da Maria Clara...