domingo, 29 de agosto de 2010

Pedaladas

Domingo à tarde - Elevado Costa e Silva



Domingo de sol, calor, secura no ar. Final de tarde tranquila, sozinha, céu azul. Peguei a bike, segui para o elevado. Algumas pedaladas e cheguei rapidinho. Esta não foi minha primeira incursão ao local, havia estado lá algumas semanas atrás, também de bicicleta, mas apenas com o espírito esportivo, nada mais.

Hoje em especial, muito só com meus pensamentos, aproveitei para levar a câmera. Pedalei com um outro olhar, devagar, observando tudo ao meu redor. Estranhamente, me encontrei adentrando em um outro mundo.

Enquanto seguia, via de pertinho as casas de tantas pessoas, era como se entrasse dentro delas sem ser convidada. Alguns, comedidos, escondiam a intimidade dos lares por trás das cortinas esvoaçantes, outros porém expunham suas vidas em precários terraços, se abraçavam, se insinuavam e riam com copos de cerveja nas mãos, enquanto o som alto que vinha de dentro invadia as pistas não de dança, mas de rolamento.

O sol caía por trás dos edifícios, calmo, bem devagar. Ainda havia luz suficiente e tempo para percorrer o elevado de cabo a rabo, como se diz. Parei sobre um local degradado, chamado popularmente “Castelinho” por sua arquitetura que lembra um castelo de pequenas proporções. Saquei a câmera e tirei algumas fotos. Pichações, uma kombi estacionada, indicando que o prédio serve de moradia para alguém ou vários alguéns. Não fiquei conjecturando outras possibilidades porque queria seguir adiante.

No trajeto desviei de várias pessoas passeando, crianças brincando, jovens fumando e bebendo enquanto jogavam conversa fora, cães correndo alegremente, gente andando de skate, patins, tomando água de côco, tocando violão, lendo, tirando fotos... A diversão mais popular hoje em dia acho que é tirar fotos com as câmeras dos celulares. Vi as pessoas no elevado fazendo pose, fotografando e sendo fotografadas e fiquei pensando como isto é simplório, mas as faz felizes e se sentirem importantes para alguém.

Passei distraída e quase levo uma bolada de um menininho.

Segui observando os prédios ao longe. A Avenida São João, o Arouche, o Edifício Itália, o Copan, a torre do Banespa, o Largo Santa Cecilia, a Santa Casa, os hotelecos da General Olímpio e um sem número de janelas das residências. Algumas até bonitinhas, com suas plantas, flores. Outras empoiradas, vidros quebrados. Tênis secando no parapeito estreito, roupas em varais improvisados, passarinhos prisioneiros em suas gaiolas, gente empoleirada observando quem as observava do elevado, tão acostumadas com aquele indo e vindo de carros durante a semana e os invariáveis pedestres nos domingos e feriados.

Um caminhão de lixo aproveitava para recolher o que os pedestres largavam pelo chão. Era praticamente uma praia sem areia, nem mar. Os garis varrendo, deixando tudo limpinho para a semana que se inicia logo mais. Eu nunca havia imaginado que por ali passava caminhão de lixo.

Alguns locais pareciam ser cortiços. A idéia de cortiço que tenho é a descrição que Aluisio Azevedo faz no homônimo “O Cortiço”, mas faz muito tempo que li, ainda no colégio. Lembro que meu pai contou já ter morado alguns meses em cortiço quando veio para o Brasil. Coisa típica de imigrante que não conhecia o idioma e vivia com as economias que trouxe de fora, enquanto buscava um emprego. Na minha cabeça, um ambiente de cortiço remete àquela coisa de dividir tanque, banheiro, pegar água no poço e ter como vizinhança desde trabalhadores humildes como também putas, michês, moribundos, foragidos, crianças e mais crianças correndo descalças, com seus narizinhos escorrendo. Uma realidade um tanto romanceada, mas presente em outras configurações por todas as esquinas da cidade.

Passei por um quarteto jovem que era fotografado por profissionais com suas câmeras e refletores. Presenciei um meio-atropelamento de uma criança e a mãe desta xingando o menino atropelante, que mal se equilibrava em sua bicicleta de “safado”. Mas, safado?!

Após uma das curvas, vi dezenas de pessoas perfiladas e sentadas na rampa de acesso para o Largo do Arouche. Acendiam seus cachimbos de crack, vários e vários cliques dos isqueiros como vaga-lumes na escuridão do local. Fiquei ali parada por um momento, querendo fotografar essa outra realidade. Pedalei de novo pelo local após alguns minutos, ainda tentada a fotografar, mas não o fiz. O número de drogados havia aumentado. Uma pai passou por mim com sua filha ainda criança, aproveitando o momento para mostra-lhe e explicar-lhe sobre aquilo.

Com aquela triste imagem, achei que estava na hora de ir embora.

Ultrapassei corredores, ciclistas, casais de namorados heteros e gays.

E naquele ínterim o céu escurecia, o sol se escondia um pouco mais e meu domingo terminava silencioso, enquanto à minha volta se ouvia apenas o barulho do vento.

Anto 29/08/10