sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Identidade


Identidade

Morri!
E nem sei o que foi feito de mim…
Esperei ad infinitum por esse momento
Corri,
Amei,
Pari…
Não fiz nada de que me orgulhasse muito
Embora tudo que tenha feito
Resultou em alguma obra momentânea
Um quadro que mofou na parede da sala
Uma comida que foi comida, digerida
Uma palavra que restou sozinha
Na companhia de seu próprio eco…
Escrevi um livro certa vez
Um livro de muitas páginas,
Todas impublicáveis, porém
De palavras nuas
Estranhas
Quietas…
Palavras que andam
Percorrem os espaços vazios
Onde as almas se alevantam, no ziguezague dos rios
Palavras…
Palavras…
Palavras…
Fui um número
É só o que restou de minha identidade
Deram baixa de mim em algum arquivo, hoje sistema
Não por acaso, agora habito um arquivo morto
Que ironia!
Os frutos que colhi
Comi,
Absorvi
As roupas eu vesti
E despi
O medo eu bebi
E esqueci
De nada adiantou,
Já que morri
Um pouco para ti
E outro para mim.



Anto 20/02/09


O dia em que quase enlouqueci

O dia em que quase enlouqueci

Não sei se é possível enlouquecer de uma hora para outra. Muito provavelmente sim, nos casos de doenças mentais, herança genética ou ainda algum trauma.
Mas também acho ser possível enlouquecer de felicidade, de cócegas e de saudades.
Prefiro as três últimas opções, já que me são mais simpáticas e aparentemente desencadeiam um enlouquecimento saudável, na minha opinião. Mas tudo com o devido comedimento.

Capítulo I - A felicidade
É tão bem vinda! Torcemos para sermos felizes e desejamos este sentimento aos que amamos. Nem tanto aos que não amamos bastante. Na realidade, a estes ignoro, na medida do possível. Quem é que vai perder tempo e energia para canalizar augúrios de felicidades aos desafetos? Sei lá. Madre Teresa talvez, só que Madre Teresa não tinha inimigos, eu creio.
Obviamente não desejo mal, mas admito uma pontinha de satisfação ante a uma inofensiva desgraça alheia, especialmente nos casos em que se pode expressar um belo e sonoro “bem feito”, comprovando que o mundo gira em torno do próprio eixo e que o castigo chega a cavalo (e às vezes a pé, mas nunca à toa).
Mas saiamos dos parêntesis. É verdade que a felicidade de alguém pode enlouquecer a outrem e aí mora o perigo. Inveja, ciúmes e ímpetos destrutivos… a felicidade tem que saber lidar com esses inimigos, por vezes ocultos num sorriso, num abraço, num beijo de Judas.
Enlouquecer por vivenciar a felicidade é talvez tão destrutivo quanto enlouquecer por vê-la de longe. Como pode um sentimento desencadear duas maneiras completamente opostas de prová-lo?
Então aproveitemos muito bem os momentos felizes quando pudermos tê-los. E sem enlouquecer completamente.

Capítulo II – As cócegas
Se tem uma coisa que me irrita é sentir cócegas. Até que tenho bastante resistência, mas há alguns pontos extremanente sensíveis, especialmente aqueles que minha filha encontra em suas tentativas bem sucedidas para descontrolar a mãe. Uma sensação horripilante, mas que acaba fazendo todo mundo rir muito, seja o autor, a vítima e os eventuais expectadores. Uma dose de braveza é sempre salutar ante a necessidade de pôr ordem no coreto. Chega!
De outro lado, é absolutamente prazeroso fazer cócegas nos outros. Êta prazer mórbido, de um sadismo infantil, se é que isso existe. Daí porque as crianças são verdadeiras experts nessa arte. E elas, depois de praticar com os irmãos, primos e amiguinhos durante toda a infância, passam a torturar os próprios bebês quando adultas, assoprando suas barriguinhas com aquele barulho de metralhadora enquanto os pobrezinhos gargalham nervosamente, quase à beira de uma síncope. A síncope da loucura por cócegas.

Capítulo III – A saudade
E tem a loucura da saudade. Ah, essa é miserável, tem dó!
Começa boazinha, cheia de pudores, nostálgica. Quase como um princípio de dor de dentes, a gente nem se incomoda muito, mas sabe que ela está lá, meditando, respirando e crescendo como uma massa de pão após o fermento e a sova.
De repente parece ficar mais viva, mais concreta, mais presente. Então já não sabemos se cortamos o mal pela raiz, na cadeira do dentista ou esperamos pra ver se passa sozinha, o que seria muito mais gostoso e econômico.
Dessa forma concluo que a saudade não deve ter prazo de validade e a escolha é nossa. Ou aceitamos vivê-la, arrumamos um lugar quentinho e aconchegante para que ela envelheça ao nosso lado ou podemos dar-lhe um beijo de despedida, agradecer pelos bons momentos e pedir desculpas por qualquer coisa.
Como sou meio do contra e não gostei de nenhuma das alternativas acima, minha opinião é que podemos guardá-la numa caixa dentro da última gaveta da cômoda, junto a fotos antigas e outras relíquias. Podemos esquecer temporariamente dela, pois temos a certeza de que estará lá, como um backup. Quando pipocar alguma lembrança, basta uma espiada rápida, um chorinho talvez e pronto. Revisitar as memórias e um pouco de saudosismo de vez em quando é tão bom…
Só não dá pra casar com a saudade, isso sim seria de enlouquecer.

Anto 17/02/09

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Texto Martha Medeiros - Miss Imperfeita

Eu não sirvo de exemplo para nada, mas se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes.
Sou a Miss Imperfeita, muito prazer!
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.
Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero.
Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria
modelo para os outros. Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável.
É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias!
Tempo para uma massagem...
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir.
Desde que se lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela..
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante'.

(Martha Medeiros)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Dizes porque te amo

Dizes porque te amo

Calei-me na voz,
Quase embargada
Que elevou-se no calor de um fim de dia
Um salto,
Uma quentura que brotou trotando do estômago
A pôr terra
A pôr humus sobre as sementes
Quisera, pois,
Quisera
Tratar-se de um horto ou de uma vinha
Mas não era…
Nem terrena, nem marinha
Nem a causa era daninha
E digas
Ou te cales
Mas não penses,
Não penses muito pois às vezes
O pensar é terreno fértil
E alimenta o desgosto
Digas se está a teu gosto
A minha vida,
A minha história,
A minha memória
Quem sou, existe aqui e agora
Os porques do meu amor
Não se expressam
Nem convergem
A uma explicação simples e barata
Não é à toa
Eu respiro,
Existo,
Sinto
Não é à toa…


Anto 15/02/09