quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A culpa deve ser da maçã


A culpa deve ser da maçã

Ontem fui conhecer o novo local de trabalho de minha amiga-irmã.
E que local de trabalho, meu Deus!
Dada a sua competência, ela agora é executiva de uma empresa suiça em expansão. Foi pinçada no momento certo pelo seu também suiço boss. Aliás, simpático ele… assim como os demais colegas de trabalho que tive oportunidade de conhecer.
Agora entendi o porque ela anda tão repetitiva em nossas conversas.
Atualmente há dois grandes e recorrentes assuntos em sua pauta. Um deles, o mais agradável, sem dúvida, é o novo trabalho e os meandros desse mundo corporativo internacional.
Todos os dias há uma novidade e, permeando essa novidade invariavelmente vão recordados todos os links anteriores, um a um. Ou seja, cada dia que passa, a história se encomprida um pouco.
O outro assunto… bem… deixa pra lá que não vale nem a escrita e nem a leitura.
Na sequência fomos ao teatro.
Uma peça, ou melhor, um monólogo muito bem articulado pela atriz e cujo roteiro trata das trapalhadas que as três protagonistas (na verdade a mesma atriz que encena vários papéis), em estressantes e hilariantes interações com seus homens, também interpretados por ela. Aliás, aproveito para fazer a divulgação dessa comédia “A culpa é da maçã” (http://www.aculpaedamaca.com.br/), em cartaz no circuito alternativo.
Rimos muito e certamente nos identificamos com algumas passagens típicas do raciocínio, ou do desraciocínio - se é que dá para entender essa expressão – de mulheres solteiras, casadas e descasadas. Ótima! Recomendo para ambos os sexos.
Acabada a peça, seguimos famintas para a boa e velha Vila Madalena. Nem tão boa, nem tão velha para mim, que a evito a todo o custo por causa do trânsito, dificuldade em estacionar, locais lotados, etc… Mas acabamos caindo num restaurantezinho bacana e nem tão cheio, onde pudemos recomeçar nossa conversa habitual.
Foi aí que percebi o quanto recorrente ficamos quando um assunto nos empolga ou nos abate.
Esses dias têm sido o momento dela e embora quase fique tentada a dizer que já me contou a tal passagem umas 18 vezes durante a semana, continuo ouvindo calmamente, porque sei que ela precisa desabafar. Amiga é para essas coisas.
A título de comparação, perguntei-lhe se sou muito recorrente nos meus discursos e, reconhecendo a própria personalidade repetitória, ela sentencia:

- Você é muito mais do que eu, pode ter certeza disso!

Sou?! E durante o blá-blá-blá da interrompida narrativa, por um momento tento me recordar qual teria sido o último assunto problemático ou empolgante que lhe expus com veemência.
Ah, sim, lembrei!
E nas brechas que ela me permite, ou nas que consigo com muito custo abrir um parêntese, posso dar uma certa vazão à minha incontrolável necessidade de ser igualmente repetitiva. Ela tem razão.Afinal a culpa deve ser mesmo da maçã!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Spleen

Spleen


Ah, quem dera pudesse eu provar
Dos Paraísos Artificiais de Baudelaire
E sentir-me entorpecer por completo…

Quisera eu coragem para abraçar ao peito
Todas as Flores do Mal por ele cultivadas
Formosas, estão elas jogadas ao leito
Sentindo-se tão poeticamente amadas…

Não quero dar conta do que é real
Pois já não conjugo o verbo realizar
Transfigurei-me em flor do mal

E tu, que tomastes num dia meu corpo são,
Ora queres minh’alma insana,
Enquanto meu incerto destino
Repousa quieto em tuas mãos…

De que espécie é a sede que padeces?

Te peço, fica comigo, qual desígnio!
Pois se és o fogo que me alimenta,
És também o desforro que me há de fustigar
Ah, tamanha ambigüidade…

Golpeias o escudo sagrado que me protege
E empunhas a lança que me será arremessada em breve
Tencionando a chaga mortal já predita
Tal e qual o são as letais flores malditas
Que alimentam o Spleen que me há de corromper

Ó doce irmão espúrio que está a rondar-me noite e dia
Sacrificas algo mais que a podre vida
Em nome de qual virtude?

És o escravo imoral das vicissitudes,
Quem me ama e mo diz em sonhos
Mas não consegue livrar-se de fardo enfadonho
O nu, o incompleto, o inverídico postiço…

Tens razão em procurar diálogos com esta Rosa-Louca
Ainda que maligna, em flor encarnada
Só a ela foi dado o poder de a ti conhecer
Decifrando o enigma recorrente,
O antídoto ao veneno da serpente
Que está a perverter-te a pureza com incertezas

Cala a boca que leva o mal
Por que ele penetrou-te fundo nas entranhas
E está a corroer-te o espírito de maneira tacanha

Vive pois o dia de hoje
Assim como vivo eu um após o outro
Esperando angustiada o derradeiro
Que há de vir logo ao meu encontro certeiro

Ah, basta!
Sobreveio o tenebroso momento
De estar face a face consigo mesmo, eu sei

A loucura não veio tirar-me os sentidos
E sim restituir-me a visão ao mundo
Assim posso dizer que não lamento
Ainda que infeliz por fora
A felicidade me apraz por dentro,
Por um momento…

Sei que padeço a verdade
Da mesma forma que estás tu a vive-la
E onde afinal jazem as Flores do Mal?

Ó dias de insensatez total!

Caí doente ante as maledicências
Caímos por completo e pó nos tornamos
Antes de renascermos sob as asas da Fenix

E no que pensar diante do Spleen
O jugo que me há de matar?

O fantasma da solidão ronda e incomoda
Tira-o daqui, se podes
Vai, obedeça tua mãe ao menos uma vez

Talvez…


Anto 06-06-06