Nossa colcha de retalhos
Como se inicia uma história?
Não me refiro àquela história que inventamos, as fixões ou os relatos. Nem às transcrições históricas, os acontecimentos, a saga de um povo, de uma família, o desenrolar de uma trama, o nascimento e morte de alguém. Não cogito uma narrativa novelesca com casamentos no começo, meio e fim. Nem tampouco as inúteis fofocas de salão.
Falo apenas da história, com toda sua singeleza e particularidades que fazem dela única a cada um de nós. Cada capítulo de nossas vidas é um pequeno fragmento que somado a todas as outras histórias do mundo formam uma grande praia, recoberta por seus incontáveis grãos de areia.
Imagino nossas vidas como uma colcha de retalhos. Costuramos um a um para nos aquecermos no frio, para nos protegermos das intempéries e da inospitalidade dos agentes externos.
É com ela que embalaremos o nosso sono. Ela nos cobrirá e quando não estiver cobrindo será apenas o anteparo onde poderemos deitar um pouco, recostar a cabeça no travesseiro enquanto deixamos reflexões invadirem nossas mentes.
Sou daquelas pessoas que costuma ruminar pensamentos. Às vezes me vejo às voltas com lembranças, passagens e acontecimentos, dos mais banais aos sérios, buscando por soluções ou entendimentos de questões que já se tornaram um fato e não podem ser mudadas.
Me pergunto que contribuição poderia dar eu ao mundo?
E chego à conclusão que o mundo é muito extenso e povoado demais para eu poder causar-lhe algum impacto, afinal não sou nenhum gênio da ciência ou das artes, nem tampouco um personagem digno de registro nos anais da história. Minha obra é modesta demais se comparada a de outros reles mortais.
Me limito a escrever algumas linhas que servirão de pouca coisa além do entretenimento de alguns leitores. Mas é nessa pequena interferência que satisfaço meu eu.
Dizem que o homem torna-se um verdadeiro e pleno homem ao executar 3 tarefas durante a vida:
1) plantar uma árvore; 2) ter um filho; 3) escrever um livro.
Não sei exatamente em qual sequencia, mas ao longo de meus quase 42 anos posso afirmar que só realizei inteiramente a segunda empreitada, a qual julgo ser a mais fácil do ponto de vista técnico. Me refiro à facilidade de fazer um filho – por isso mesmo a impressão que tenho é haver muito mais pessoas no mundo do que árvores ou livros – bem diferente de ter um, que nem precisa ser necessariamente do nosso sangue, mas é o resultado de uma escolha e daquilo que somos, do que plantamos e registramos no mundo.
Se vale a metáfora, sou convicta que podemos ser pais tanto de nossos filhos, como também das árvores que plantamos e dos livros que escrevemos, afinal quase todos os processos aos quais nos submetemos são como partos, dolorosos, mas que nos enchem de satisfação.
Plantar uma árvore
É um dom
É desejar estar vivo para aproveitar de sua sombra
É querer colher e comer algum fruto delicioso
É cuidar de algo com o qual não conseguimos interagir
É preocupar-se com a falta de chuva
É esperar a chegada do outono
É observar os passarinhos na primavera
É cuidar de uma vida que não nos pertence
É ver as folhas balançando com o vento
É recostar-se no tronco ao ler um livro
É deitar no chão e observar a copa dançar com as nuvens no céu
É sentir a plenitude da paz
Ter um filho
É obedecer à natureza humana.
É saborear um pedaço de chocolate lambuzado
É acordar todas as noites (várias vezes) pra ouvir a respiração do seu bebê
É rir das caretas
É ajudar nas tarefas da escola
É ouvir o choro do castigo e ficar com remorso, mas manter-se firme
É reclamar da bagunça no quarto
É dar mil beijos sem cansar
É receber um afago no rosto daquela mãozinha pequenina
É se dar conta que o Natal chegou novamente e os anos passam rápido demais
É planejar as férias
É tomar sorvete e sujar a roupa, o rosto, as mãos, os cabelos
É ir no cinema ver todos os filmes da Disney
É pensar no futuro e desejar que ele seja sempre lindo e saudável
Escrever um livro
É uma das tarefas mais difíceis
É uma bênção
É ter a dura missão de transmitir o que sentimos
É dar asas à imaginação
É cultivar excentricidades
É ser poeta
É saber colocar em palavras todos os sentimentos
É desabafar num pedaço de papel todas as dores do mundo
É fazer desenhos geométricos no canto dessa folha, enquanto espera a inspiração
É organizar os mais intrincados pensamentos
É não pensar no sucesso, mas na satisfação pessoal
É ser auto-crítico
É mostrar sua visão do mundo
É ser completamente livre
Anto - abril/2006