sábado, 21 de março de 2009

Nossa colcha de retalhos


Nossa colcha de retalhos

Como se inicia uma história?
Não me refiro àquela história que inventamos, as fixões ou os relatos. Nem às transcrições históricas, os acontecimentos, a saga de um povo, de uma família, o desenrolar de uma trama, o nascimento e morte de alguém. Não cogito uma narrativa novelesca com casamentos no começo, meio e fim. Nem tampouco as inúteis fofocas de salão.
Falo apenas da história, com toda sua singeleza e particularidades que fazem dela única a cada um de nós. Cada capítulo de nossas vidas é um pequeno fragmento que somado a todas as outras histórias do mundo formam uma grande praia, recoberta por seus incontáveis grãos de areia.
Imagino nossas vidas como uma colcha de retalhos. Costuramos um a um para nos aquecermos no frio, para nos protegermos das intempéries e da inospitalidade dos agentes externos.
É com ela que embalaremos o nosso sono. Ela nos cobrirá e quando não estiver cobrindo será apenas o anteparo onde poderemos deitar um pouco, recostar a cabeça no travesseiro enquanto deixamos reflexões invadirem nossas mentes.
Sou daquelas pessoas que costuma ruminar pensamentos. Às vezes me vejo às voltas com lembranças, passagens e acontecimentos, dos mais banais aos sérios, buscando por soluções ou entendimentos de questões que já se tornaram um fato e não podem ser mudadas.
Me pergunto que contribuição poderia dar eu ao mundo?
E chego à conclusão que o mundo é muito extenso e povoado demais para eu poder causar-lhe algum impacto, afinal não sou nenhum gênio da ciência ou das artes, nem tampouco um personagem digno de registro nos anais da história. Minha obra é modesta demais se comparada a de outros reles mortais.
Me limito a escrever algumas linhas que servirão de pouca coisa além do entretenimento de alguns leitores. Mas é nessa pequena interferência que satisfaço meu eu.
Dizem que o homem torna-se um verdadeiro e pleno homem ao executar 3 tarefas durante a vida:
1) plantar uma árvore; 2) ter um filho; 3) escrever um livro.
Não sei exatamente em qual sequencia, mas ao longo de meus quase 42 anos posso afirmar que só realizei inteiramente a segunda empreitada, a qual julgo ser a mais fácil do ponto de vista técnico. Me refiro à facilidade de fazer um filho – por isso mesmo a impressão que tenho é haver muito mais pessoas no mundo do que árvores ou livros – bem diferente de ter um, que nem precisa ser necessariamente do nosso sangue, mas é o resultado de uma escolha e daquilo que somos, do que plantamos e registramos no mundo.
Se vale a metáfora, sou convicta que podemos ser pais tanto de nossos filhos, como também das árvores que plantamos e dos livros que escrevemos, afinal quase todos os processos aos quais nos submetemos são como partos, dolorosos, mas que nos enchem de satisfação.

Plantar uma árvore
É um dom
É desejar estar vivo para aproveitar de sua sombra
É querer colher e comer algum fruto delicioso
É cuidar de algo com o qual não conseguimos interagir
É preocupar-se com a falta de chuva
É esperar a chegada do outono
É observar os passarinhos na primavera
É cuidar de uma vida que não nos pertence
É ver as folhas balançando com o vento
É recostar-se no tronco ao ler um livro
É deitar no chão e observar a copa dançar com as nuvens no céu
É sentir a plenitude da paz

Ter um filho
É obedecer à natureza humana.
É saborear um pedaço de chocolate lambuzado
É acordar todas as noites (várias vezes) pra ouvir a respiração do seu bebê
É rir das caretas
É ajudar nas tarefas da escola
É ouvir o choro do castigo e ficar com remorso, mas manter-se firme
É reclamar da bagunça no quarto
É dar mil beijos sem cansar
É receber um afago no rosto daquela mãozinha pequenina
É se dar conta que o Natal chegou novamente e os anos passam rápido demais
É planejar as férias
É tomar sorvete e sujar a roupa, o rosto, as mãos, os cabelos
É ir no cinema ver todos os filmes da Disney
É pensar no futuro e desejar que ele seja sempre lindo e saudável

Escrever um livro
É uma das tarefas mais difíceis
É uma bênção
É ter a dura missão de transmitir o que sentimos
É dar asas à imaginação
É cultivar excentricidades
É ser poeta
É saber colocar em palavras todos os sentimentos
É desabafar num pedaço de papel todas as dores do mundo
É fazer desenhos geométricos no canto dessa folha, enquanto espera a inspiração
É organizar os mais intrincados pensamentos
É não pensar no sucesso, mas na satisfação pessoal
É ser auto-crítico
É mostrar sua visão do mundo
É ser completamente livre


Anto - abril/2006


terça-feira, 17 de março de 2009

Simplesmente felicidade


Simplesmente felicidade

Feliz de ti,
Feliz como não sei o que
Te ligo
Te digo
Me mostro com a cara mais lavada
E ao pé do ouvido
Já meio ensurdecido
Em fagulhas de um breve arrepio
A empolar a pele
Eriçar os pelos
No deflagrar inquieto dos apelos
Que roubam a cena
E aparentam quase obscenos

Feliz de mim
Felizes de nós
Que contemplados
Desatamos os nós de nossa solidão
Nos mais abundantes beijos
E o que são eles, os beijos?
Os afagos bucais
Orais…
Reais…
Surreais…
Ora somos um,
Ora outro
Vez por outra estamos um noutro
Vez em sempre nos amando
Todas as horas do dia
Neste dia mais feliz


Anto 17/03/09

segunda-feira, 16 de março de 2009

Anatomia


Anatomia

Um corpo duro,
Contraído
Já sem vida,
Nem alma,
Nem nada…
Aberto e mostrado
Em toda sua solidão
Subjugado em sua essência
Exposto em suas reentrâncias
O desgosto saltando pelas vísceras
Amargas
O que é o corpo
Senão o invólucro animado,
A materialização de um pensamento?
Penso,
E assim como concluiu Descartes,
Existo
Sou indivíduo
Sou ser
Sou vontade
Sou libido
Sou o positivo e o negativo
O lado bom e ruim do meu viver
Aqui exibido em detalhes
Conheça-me:
- Mitsuko, muito prazer!



Anto 01/11/08