sábado, 18 de outubro de 2008

Belas pernas

Belas pernas

Coincidência ou não, Mirela já atendia por esse apelido na adolescência.
Pernas de bailarina, grossinhas até, com batatas bem desenvolvidas e coxas suculentas.
Com tudo em cima, considerando sua idade atual (ok Mirela, você é mais nova que eu, está registrado), as pernas ainda chamam a atenção.
Uma noite dessas fomos ao nosso habitual passeio ao shopping Higienopolis. Gosto de ir nesses lugares sozinha, sem ninguém me apressando, ou acompanhada por ela porque são os momentos em que podemos conversar sossegadas, comer alguma coisa, entrar em todas as lojas de sapatos, comprar ou não comprar nada.
Isso já se tornou até folclore pois Pedro, seu chefe, sempre intrigado com o que fazemos e conversamos tanto, vez ou outra faz questão de ir almoçar com Mirela por lá, onde eu costumeiramente os encontro para o café, enquanto degustam suas calóricas sobremesas.
- Mas o que vocês fazem todas as vezes que vêm ao shopping?
- Nada de mais, apenas observamos as tendências.
Pedro continua na mesma, com aquela cara de ponto de interrogação inconformado com a simplicidade da resposta e certo de que fazemos algo ilícito.
Pois bem, naquela noite, tínhamos muitos assuntos a tratar ela e eu. Resolvemos comer uma pizza daquelas do tipo brotinho do restaurante Viena antes de sua aula de inglês, ali próximo. O horário era bom, a praça vazia com muitos lugares para sentar.
Famintas, fizemos nosso pedido e escolhemos nos acomodar na ponta de uma fileira de mesas que estava vazia.
Minha pizza saiu primeiro, fui buscar e sentei-me. Na seqüência ela foi buscar a outra.
Nesse exato momento em que estava sozinha, vejo um sujeito alto, de terno, segurando sua bandeja e vindo em minha direção como uma flecha, fitando fixamente com olhos de lince.
Sem pestanejar, pousou sua bandeja na mesa ao lado e empurrou as tralhas da Mirela que estavam em cima de mesa pegada à nossa, enquanto perguntava se poderia sentar-se ali.
Achei esquisito porque havia muitos outros lugares livres, mas não quis parecer grosseira, então fiz uma mesura com a mão, assentindo ao seu pedido.
Estava acompanhado por um amigo bastante distinto, igualmente engravatado e mais velho, o qual deu a volta e pediu permissão para sentar-se ao meu lado.
Observando essa movimentação lá do restaurante, Mirela chegou e sentou-se. O cara já lhe estendeu a mão, apresentou-se e todos nos apresentamos educadamente.
Ela e eu começamos a conversar entre nós e o tal cara fez menção em levantar-se dizendo que não queria atrapalhar a conversa.
- Imagine, não se incomode, o local é público e não estamos conversando nenhum segredo (mentira!), - eu disse, louca para que fossem sentar em outro lugar.
Nesse momento minha a amiga achou que eu falava em código, pensando que havia me interessado por ele, então, querendo me ajudar, começou a ser simpática e entabular uma conversa com o sujeito.
O que essa louca está fazendo, pensei.
A um certo momento da conversa o cara vira pra ela e diz em tom de confissão:
- Você quer saber mesmo a verdade, o porque vim sentar-me aqui?
- ????
- Foi por causa de suas pernas!
Quase tive um síncope, cheguei a engasgar com a pizza. Virei pra o lado e não consegui segurar o ataque de riso. Eu suava, ria nervosamente, queria dar o fora dali o mais rápido possível. Peguei o celular e simulei um telefonema para o vento, a fim de tentar me acalmar.
Enquanto isso, Mirela, a vítima da pior cantada que ouvi nos últimos tempos, não se fez de rogada e incorporou o papel de um par de pernas ambulantes sem corpo, sem braços e sem cérebro.
O senhor que o acompanhava estava mudo, evidenciando um constrangimento que já era habitual, pelo que percebemos.
Já sentindo-se intimo o chato contou toda sua vida pessoal. Casou, separou, casou de novo, separou e disse que a última ex-mulher havia conhecido em outro shopping. Cá entre nós, provavelmente utilizando a mesma técnica de aproximação: o fetiche das pernas.
Só falou vantagens, brincava com um charuto que iria fumar lá embaixo, sujeito metido, dizendo-se dono de incorporadora, mas cara de delegado de polícia de quinta. A um dado momento, sacou do bolso um distintivo dourado, não sei pra que.
Durante o discurso falou das pernas mais umas três vezes. Ridículo!
E ainda teve o desplante de perguntar se minha amiga era comprometida (no que ela mentiu, claro).
Enfim, acabado o jantar, nos despedimos.
O amigo do Don Juan, na verdade sócio conforme soubemos durante a conversa, cumprimentou Mirela, dizendo que ela era muito boa pessoa e extremamente simpática. Já devia estar acostumado a presenciar os foras que o fulaninho deve tomar todos os dias com essa conversinha mole.
Descemos as escadas rolantes, eles primeiro, nós na seqüência. Nos despedimos, ainda aturdidas, e lá foi Mirela para sua aula de inglês, desfilando suas belas pernas anonimamente pela multidão.

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