Sem perder a pose
Tem gente orgulhosa de proclamar que roda a baiana. Ah, mas estas pessoas são unânimes em afirmar que isto só acontece quando por algum motivo são tiradas do sério. Como se sair do sério fosse a justificativa mais justa (desculpem o inevitável pleonasmo) para os atos insanos que permeariam a tal “roda das baianas”.
A propósito, não sei o que uma coisa tem a ver com a outra. Sempre imaginei uma roda de baianas formada por aquelas gordas e negras senhoras, usando seus trajes branquíssimos, saias rodadas e armadas por camadas e mais camadas de tule, seios fartos saltitando felizes pelos babados dos decotes, a moldura do sorriso franco com o passe-partout dos dentes lindamente perolados, colares de miçangas e patuás, cabelos cuidadosamente escondidos sob os turbantes e as bandejas com acarajé, cocada e outras delícias provenientes de seus tachos e colheres de pau. Tudo na maior tranquilidade.
Será que alguém já as viu se degladiando, dando golpes de capoeira, atirando vatapás e carurus umas contra as outras e resolveu que “rodar a baiana” seria sinônimo de surtos de qualquer ordem?
Vai saber…
Bom e já que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, quase esqueci a que vim.
Típico das mentes fervilhantes de possibilidades. Será este um sério problema?
Não vejo assim, ultimamente ser humano é que é um grave problema. O mais simples hábito, a mais inofensiva mania tem toda uma interpretação psicológica própria.
Se você toma banho uma vez por dia será taxado fisicamente de porco. Em análise psíquica poderia ser considerado depressivo, ou borderline (no limite, está na moda), ou bipolar (também tem seus adeptos). O curioso é que ninguém está interessado em saber se você resolveu fazer a sua parte para economizar a água do planeta. Aliás, se tomou essa resolução com toda a probabilidade será diagnosticado simplesmente louco.
Continuando, se faz três ou mais banhos por dia, tem TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e é um FDP (sem necessidade de tradução) pois não está nem aí para a extinção dos recursos hídricos naturais do planeta (!) Hum… quem é o louco mesmo?
É por isso que no Brasil foi instituído o número de dois saudáveis banhos ao dia para a maioria da população. Tudo na mais perfeita ordem e progresso. De outro lado, a França continua produzindo os melhores perfumes…
Opa, já me perdi novamente!
Diria que as aparências enganam mesmo. Aquela mocinha de suaves contornos, carinha angelical, cheirosa, carinhosa, de repente pode dar um grito estridente ao seu lado, chamando alguém para pedir uma informação.
Um misto de desagradável surpresa, uma cara de decepção, um indefectível desgosto na alma… e o pensamento fatal de que se isto se repetir será o fim dos tempos. Para ela, naturalmente.
Autocontrole, este é o segredo para não perder a pose.
Devemos ter em mente que estamos sendo observados todo o tempo. É por isto que rodar a baiana não pega nada bem em algumas situações.
Lembrei da Xuxa. Dizem as más linguas que a loira beliscava seus baixinhos durante as gravações dos programas. Imagino a cena, vários endiabrados mirins atormentando a moça que aparece pelada na revista do papai. Meio que “pedindo para apanhar”, os pestinhas acabavam levando estratégicos beliscões. Doía, mas era bom, afinal quem beliscava era uma gostosa que usava micro-saia e botas brancas de salto alto, a qual não posso deixar de imaginar ter inspirado muitos dóceis frequentadores do underground erotopático.
Bom, ela ao menos tentou ficar na moita, mas a intriga da oposição (ah, aqueles seres invejosos e perversos do universo televisivo) trataram de divulgar o controle estratégico aos participantezinhos do programa. E apesar dos pesares, a enxuta senhora resiste até hoje nas telinhas.
Outro jeito de não perder a pose é assumir a forma de madeira. Isso mesmo, os caras-de-pau são mestres nessa arte.
Quando o assunto é polêmico e você não tem coragem de admitir publicamente que já fez exatamente aquilo que está sendo criticado (claro, ninguém quer ser objeto de piada nas rodas de amigos), é bom que comece a recitar mentalmente um mantra para manter as feições inalteradas, com absoluta cara de paisagem. Para ser mais convincente, faça movimentos de concordância com a cabeça, dessa forma as suspeitas recairão sobre o amigo ao seu lado que ficou paralisado e vermelho como um perú assado, o qual estará pensando: “PQP, sei que não estão falando de mim, afinal não faço xixi na calça. Mas então porque raios estou pegando fogo?”
E você, que passou a última noite de São João enchendo a lata de quentão e saltando a fogueira iá-iá/pulando a fogueira iô-iô estará livre de qualquer suspeita.
Como diria Lobão, decadence avec elegance. Mas sem jamais perder a pose, sacou?
Anto 26/07/09
AMOR FELIZ
Há 5 anos
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